Iolanda é cozinheira das 7h às 19h e faxineira das 22h às
6h; despejada do prédio da Av. Ipiranga com mais 94 famílias, vive hoje com sua
filha numa barraca de lona no centro de São Paulo pois a Prefeitura alega não
ter alojamento “por falta de verba”.
Iolanda Nascimento Ferreira chega todos os dias exausta do
serviço. Exerce a profissão de cozinheira, na Vila Matilde (SP), das 7h às 19h,
e faz “bico” no hospital Oswaldo Cruz, na região da Paulista, das 22h às 6h da
manhã. Trabalha 20 horas por dia e descansa apenas duas. “Eu já trabalho de
cozinheira há nove meses, mas arrumei um bico no hospital depois que vim parar
na rua. Quero juntar um dinheiro para ver se consigo alugar pelo menos um
quarto”, conta.
Há duas semanas, ela e sua filha Camile, de 8 anos, foram
despejadas com mais 94 famílias do prédio da av. Ipiranga, 908, no centro de
São Paulo. O imóvel, abandonado por mais de sete anos, estava ocupado há dez
meses pelos sem-teto, que exerciam a função social da propriedade, conforme
determina a Constituição.
Hoje, seu “lar” é apenas uma barraca de lona improvisada na
praça do correio, no centro da capital. As famílias sem-teto ficaram jogadas ao
léu, sem assistência da prefeitura, que alegou não ter verba suficiente e nem
espaço para alojá-las. “Para Prefeitura nós não somos nada, apenas um monte de
entulho jogado”, expressa.
Camile, 8, filha de Iolanda, estuda no período da tarde na
Escola Estadual Prudente de Moraes, na Avenida Tiradentes (SP), a um quilômetro
do acampamento. Sorridente, ela diz que está na segunda série e que gosta de ir
à escola, porém, afirma que queria ter apenas uma casa para morar com sua mãe.
“Não é bom morar
aqui”.
Queria morar numa casa, em qualquer lugar”, diz Camile,
ainda com sorriso no rosto. Ela e mais de 50 crianças estão na mesma situação.
Segundo Iolanda, desde o dia que foram despejadas, a
prefeitura não se manifestou. Preferiu “fechar os olhos” e deixar as famílias
abandonadas na rua. “Nunca deram uma solução para nós. No primeiro dia, a gente
ficou sem almoço, sem café e as crianças com fome”, diz, e com lágrimas nos
olhos, complementa: “Eu não quero uma casa de luxo. Quero uma casa que me dê
condições de eu descansar, onde eu possa fazer minha comida. Onde eu possa
escolher o que eu quero comer, porque eu trabalho, tenho o meu dinheiro. Quero
uma casa que eu possa pagar. Eu não quero dado, quero pagar com o meu suor”.
Desgaste
Por ficar agachada com uma espátula nas mãos retirando o
gesso do chão do hospital ou por permanecer 12 horas seguidas em pé servindo
refeição foram os motivos para os braços e os pés de Iolanda estarem
completamente inchados.
“Nessa faxina que fazemos lá no hospital eu não sento. Fico
de 'coca' [cócoras] com uma espátula tirando o gesso e a cola que estão no
chão. Meu braço também está assim porque eu forço muito na cozinha, pois eu não
tenho ajudante” diz.
Depois que foi despejada, a mãe de Camile nem sempre
aproveita as duas horas de sono que tem por dia. “Tem dia que eu nem durmo
nessas duas horas que eu tenho direito. Tem vez que eu chego e levo a Camile
pra tomar banho, fico um pouco com ela pra que não se sinta muito sozinha”,
acrescenta Iolanda.
“Só restaram as
prestações”
Os móveis de Iolanda, assim como de todos os sem-teto, foram
levados por funcionários contratados pela Prefeitura a um galpão situado no
Recanto Verde do Sol, na zona leste. Os móveis que restaram estão no prédio
ocupado na av. São João, 588, próximo ao local do acampamento.
Entretanto, Iolanda ressalta que no dia do despejo, os
responsáveis pelo carregamento danificaram os móveis das famílias. “Eles não
tiraram direito. Nem desparafusaram. Foram jogando tudo de qualquer jeito. A
geladeira está toda amassada. Todo mundo está com prestação de cama, mesa e
guarda-roupa. Para nós, só restaram as prestações”, lamenta.
Camile está com apenas três peças de roupa, pois a
Prefeitura também levou o restante. “Eles falaram que se não botassem as coisas
no caminhão, iam levar tudo embora”, conta a mãe indignada.
Solidariedade e luta
Por volta das 20h30 da última quarta (5), pessoas ligadas a
entidades religiosas chegaram ao acampamento com doações de alimentos. Algumas
que passam pela praça do correio também se solidarizam com as famílias, mas
“nenhuma doação veio da Prefeitura”.
O pouco que as famílias sem-teto recebem de doações, ainda
dividem com a comunidade da Vila Prudente, que foi incendiada no dia 23 de
agosto, deixando ao menos 600 pessoas desabrigadas. “O pouco que a gente ganha
nós também dividimos, pois a Prefeitura deixou aquelas pessoas (da Vila
Prudente) desassistidas. Não é justo que elas fiquem sem alimentos”, comenta
Maria do Planalto, uma das coordenadoras do movimento por moradia.
Os donos de pequenos bares também se solidarizam com os
sem-teto. “Essas horas a solidariedade vem do povo pobre mesmo”, diz Dona
Teodora Oliveira, de 65 anos, que também está lutando para conquistar uma
moradia digna. “Se eles (Prefeitura) dessem atenção pra gente, não estaríamos
aqui. É muito humilhante, porque não queremos nada de graça. A gente quer pagar
o aluguel de acordo com o salário que a gente ganha”, comenta.
Na mesma situação está Helena Chaves, de 53 anos. Há cinco
anos no movimento, ela pretende conquistar uma moradia que também possa pagar.
“Eu pretendo conquistar meu apartamento que eu possa pagar dignamente, porque
eu trabalho até hoje, não sou vagabunda”, argumenta Helena.
Neste imóvel em que as famílias moravam, antes, funcionava
um hotel que estava abandonado há mais de sete anos. Quando ocuparam, no dia 6
de novembro de 2011, o prédio estava sujo, sem esgoto, sem água e sem luz,
conforme afirmou a coordenadora da ocupação, Maria do Planalto. “Estávamos há
10 meses no prédio. Se hoje ele tem esgoto, água e luz é porque nós mesmos
reformamos tudo”, conta.
Hoje o prédio se encontra fechado com um muro de concreto
erguido em sua entrada. “Os ratos e as baratas “moram” melhor do que nós que
estamos na rua”, acrescenta Maria.
Fonte: José Francisco Neto em Brasil de Fato
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