São mulheres que chegam à
maternidade por caminhos pouco desejados. O ideal é criar distância emocional e
física
É um tabu em nossa sociedade
aceitar que haja mães que não gostem de suas filhas, mas isso é mais real e
frequente do que gostaríamos de admitir. Como tudo aquilo que é difícil de
aceitar e digerir, tendemos a negá-lo. Mas existem, vemos suas vítimas no
consultório, lutando para preencher um buraco negro de infelicidade que arrastam
desde a infância e que na maioria dos casos nem vem à consciência, porque dói
falar dele.
A mãe tóxica é uma mulher que
atingiu a maternidade por caminhos pouco desejados, por convenções, porque
assim estava programado seu roteiro de vida, porque era isso que se esperava
delas. Renegar a maternidade ou simplesmente exercer o direito de não fazer
parte dela não era, e não é, algo aprovado pela sociedade. Aquelas mulheres que
decidiram livre e abertamente não ser mães foram vistas com receio e suspeita
pela maioria à sua volta. Sempre. Mesmo agora. Falamos de uma minoria valente e
coerente que decidiu sozinha qual era sua vontade e seu caminho. Muitas outras,
no entanto, aceitaram gestar, parir e criar como algo inevitável. Não é tão
difícil entender que algumas daquelas filhas não apenas não tenham sido amadas
incondicionalmente, como percebidas como um inconveniente, um obstáculo, uma
rival e até uma projeção daquilo que elas queriam ser.
Na maioria são mulheres muito
narcisistas ou infantilizadas, que nunca assumiram o papel de mãe e que
continuam filtrando o mundo a partir de sua necessidade e seu desejo. Outras
são mulheres amarguradas, cuja vida não se parece em nada com o que esperavam,
profundamente infelizes, que usam suas filhas como bode expiatório, projetando
nelas o foco de sua insatisfação. Há diferentes formas de mães tóxicas, mas
todas incluem a culpa, a manipulação, a crítica cruel, a humilhação, a falta de
empatia, o egocentrismo puro. São mães que fazem saber a suas filhas que não
estão à altura do que se espera delas, invejam seus êxitos, desconfiam de sua
necessidade de independência, rivalizam com elas num patológico palco vital no
qual a vítima nem sabe que o é.
A mãe que não ama despeja sua
toxicidade de diferentes formas. Há mães que invejam suas filhas e tentam
anulá-las, mães que superprotegem e absorvem excessivamente, na tentativa de
evitar o sentimento de culpa por não ter querido ter esse filho, mães voltadas
unicamente à “fachada”, que exigem que suas filhas se encaixem num molde que
elas mesmas criaram para se exibir, mães que usam a doença e a vitimização como
principal estratégia de manipulação, mães dependentes que invertem os papéis e
fazem que sejam suas filhas que se encarreguem de seu bem-estar físico e
emocional e mães que, infelizmente, encaixariam-se em vários desses roteiros de
filme de terror.
A maioria das meninas criadas por
esse tipo de mulher não é capaz de entender que toda sua insegurança, falta de
autoestima, necessidade de aprovação, autoexigência brutal, dificuldade para a
intimidade emocional e vazio profundo derivam da falta de amor primário. Para
uma pessoa, aceitar que sua própria mãe não a quis e não gosta dela é um dos
processos psicológicos e emocionais mais difíceis de superar e tem
consequências devastadoras em todos os aspectos da vida. A essa desproteção
crônica é preciso acrescentar a incompreensão dos outros, uma sociedade
disposta a olhar para o outro lado diante de uma realidade tão antinatural. As
mulheres criadas por essas mães tóxicas chegam a duvidar até de sua própria
saúde mental porque aos anos de maus-tratos emocionais, de tortura psicológica,
é preciso somar o silêncio e a falta de apoio. Sabemos hoje, graças a numerosos
estudos, que a falta de amor parental cria estruturas psíquicas desorganizadas
que afetam muitas áreas da personalidade. A rejeição e a falta de amor materno
produzem um estado crônico de avidez afetiva e um medo patológico do abandono.
Durante sua infância tratará por
todos os meios de ganhar a atenção e a aprovação de sua mãe, o que resultará
numa adulta que tentará por todos os meios ganhar a atenção e a aprovação do
mundo. Não se sentirá digna de ser querida, terá aprendido que seu valor está
no que faz e não no que é, a fragilidade e a insegurança serão companheiras de
viagem e, com frequência, passará esse perverso legado a seus filhos, tornando
assim crônico o círculo da infelicidade e da dependência.
Há muitos exemplos conhecidos de
pessoas que, mesmo tendo alcançado sucesso social, laboral, econômico, expondo
para o mundo uma fachada impecável de êxito na vida, são mortos-vivos,
empregando toda sua energia em preencher esse vazio afetivo que há dentro delas;
em nosso dia a dia somos rodeados de pessoas que tentam em vão preencher esse
vazio (que chamamos de existencial, embora seja na verdade afetivo) pelos
caminhos mais distintos, mas naufragando no pessoal com profundos sentimentos
de vazio e solidão, que produzem a incapacidade de amar e ser amadas.
Obviamente há saída. É
imprescindível dizer a essas mulheres que pode ser curada a menina prejudicada
que há dentro delas e que parece dirigir sua vida. Como psicóloga que acompanha
muitas dessas mulheres, não acredito no determinismo e defendo a capacidade
resiliente que habita cada ser humano. Temos o dom da liberdade e a capacidade
intrínseca de tomar o controle de nossa própria vida. Para isso é necessário
tomar consciência de e dar nome àquilo que nos afetou, por mais difícil e
brutal que isso seja. E é imprescindível fazer um luto: despedirmo-nos
definitivamente da mãe que não tivemos, que já não teremos, e não continuar
buscando, com braçadas de quem se afoga, maneiras infrutíferas de compensar esse
oco escuro. Assumir sem culpa nenhuma que mãe não se escolhe e que viemos ao
mundo programados para amar quem nos coube ser nossa mãe. Tomar a decisão
interna de criar distância emocional e física da mulher que não soube nos
querer e, acima de tudo, fazer da tentativa de não transmitir a ferida para
nossas filhas um objetivo vital, uma cruzada.
Fonte: El Pais
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