quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

#NãoSilencie: 3 relatos impactantes de mulheres que sofreram abuso sexual antes dos 18 anos

Olhe para o lado.
Talvez você não saiba, mas se mais de três mulheres estiverem no mesmo local que você, pelo menos uma delas já foi vítima de algum tipo de violência durante a vida. E você não sabe disso por um motivo simples: de acordo com uma pesquisa do Instituto Patrícia Galvão, só 35% das vítimas denunciam o agressor à polícia e falam sobre o assunto. Quando falamos de estupro e violência sexual, menos de 10% dos casos são notificados.

Para mostrar que a violência contra a mulher começa desde a infância e adolescência, separamos três relatos de mulheres que foram abusadas sexualmente antes dos 18 anos. Elas escolheram compartilhar sua história com o HuffPost Brasil -- que é também a de muitas outras mulheres.

Patrícia D., de 28 anos

"Eu tinha 17 anos. Morava em Peruíbe e fui até a academia entregar uma roupa de dança a uma amiga. Eu lembro que não estava a fim, mas fui mesmo assim. Eu estava de bicicleta e, no meio do caminho, um maníaco me abordou. Ele foi extremamente agressivo, veio para cima de mim dizendo que era um assalto, que não era para eu gritar e que tinha mais gente com ele. Depois, ele ordenou que eu subisse a rua. Ele tinha o dobro do meu tamanho eu achei que ele fosse roubar a minha bicicleta. Fazia sentido subir a rua para entregar a bicicleta para alguém, por exemplo. Ele dizia que não ia me fazer mal, que era só eu entregar a minha bicicleta e pronto.

Assim que chegamos na esquina, eu parei e entreguei tudo pra ele. Mas ele desconversou e disse que não era só um assalto. Disse que eu tinha entrado numa "área reservada" e teria que "prestar contas". E aí ele me conduziu até uma casa, me empurrou no corredor e, num cômodo nos fundos, me violentou. Eu só pensava que não queria sair de lá tetraplégica. Eu fiquei com muito medo. Ele tinha um volume no bolso e dizia que estava armado. Eu queria sair com todas as vértebras no lugar e que tudo o que acontecesse fosse rápido, que eu saísse andando e que se fosse pra ele me matar que me matasse logo.

Depois, ele me fez ir até o fim da rua, onde ameaçou a mim e minha família caso eu contasse algo, dizendo que conhecia meu pai, minha mãe. Repetiu isso várias vezes. Eu realmente fiquei com dúvidas sobre contar ou não. Ele tinha levado meu celular, tinha toda a minha agenda de contatos. Depois, até na minha casa ele ligou para me ameaçar.

Eu procurei meu namorado assim que eu pude. Fui de bicicleta rápido até a casa dele e, de lá, liguei para a minha mãe e contei tudo que tinha acontecido. Ela me levou ao ginecologista, que não quis me examinar e me mandou direto para a delegacia da mulher, mas antes me deu a pílula do dia seguinte.

Na delegacia, eles me deram poucas informações sobre o que eu deveria fazer. Não me explicaram nada. Pediram que eu fosse ao IML (Instituto Médico Legal). É constrangedor, um exame odioso. Mas ali, ao menos, me explicaram os procedimentos médicos. Tomei todos os medicamentos que fazem parte do procedimento, mas a pílula do dia seguinte perdeu o efeito comigo e, um tempo depois, descobri que estava grávida. Isso aconteceu porque alguns dias antes de sofrer a violência eu tinha tido relações sexuais com o meu namorado e a camisinha tinha estourado. Naquele momento, eu optei por tomar a pílula. Com isso, a eficácia do remédio diminuiu.

Descobri que estava grávida dois dias antes de prestar vestibular. A notícia foi de derrubar. Diante de toda a situação, o que me foi dito no posto de saúde é que a medicação que eu tomei poderia atrasar a minha menstruação, mesmo, que era para eu ficar tranquila. Até que duas semanas depois, minha mãe tomou a iniciativa de comprar um teste de gravidez. Eu fiz e deu positivo. Fiz o exame de sangue, então não tive mais dúvidas: deu positivo. Minha mãe levou o exame até o posto de saúde, disse que eu estava grávida, que gostaria de interromper a gestação e foi aí que fui encaminhada para o Hospital Pérola Byington. Lá eu fui muito bem atendida. Depois disso, fui descobrindo que pessoas da minha família também sofreram violência sexual, mas que não falavam por medo de discriminação. Você ser vítima de estupro gera uma vergonha sem tamanho. O tempo é uma benção para superar.

Foi muita barra. Todo o processo é uma segunda violência. A minha sorte é que eu pude sair de Peruíbe, estudar em São Paulo e morar no bairro da Liberdade - com toda a licença poética que isso tem -, e fugir de toda a opressão de uma cidade pequena. Eu estava superando o trauma do estupro, eu ia para a escola era olhada de forma atravessada, eu ia no mercado isso também acontecia. Sair de Peruíbe foi um bálsamo para conseguir passar por cima disso.

A segunda violência que eu sofri foi quando a juíza que estava julgando o caso só faltou me chamar de vagabunda. Mesmo sabendo que ele já tinha feito outras vítimas, ela soltou ele alegando que eu tinha "usado de sedução". Só agora, depois de dez anos é que eu consegui comprovar que não foi nada disso. Até hoje eu convivo com a dúvida se a gravidez era do meu namorado, com quem eu continuo até hoje, ou do que aconteceu. Mas eu tenho pra mim que fiz a escolha certa."





Andreia M., 23 anos.

"Eu tinha oito anos, ainda morava na Bahia e cursava a segunda série do ensino fundamental na época. Ele era pai de uma amiga minha. Depois da aula, eu fui para a casa dela estudar como fazíamos sempre. Ele trabalhava na escola que eu estudava, inclusive. E, em um determinado momento do dia, ele disse que era para cada uma parar de estudar e começar a ajudar a arrumar a casa. Ele pediu para eu estender a roupa. Eu acabei ficando contra a parede, onde o varal ficava preso, para estender a roupa, e foi quando ele veio e ficou se esfregando em mim enquanto eu estava de costas. A penetração em si não aconteceu, mas o que ele fez comigo durou mais ou menos cinco minutos. Eu fiquei imóvel. Não conseguia me mexer, não conseguia pensar. Só me sentia muito estranha e muito mal porque eu sabia que aquilo não era certo, mas eu não tinha força para reagir. Além de ele ficar esfregando o pênis em mim, ele ficava fazendo sons como se estivesse fazendo sexo comigo. Foi horrível.

Fiquei tão traumatizada com o que aconteceu que eu tive a minha memória reprimida. Assim que ele saiu, a minha mente bloqueou o que aconteceu. Eu não lembrava. Voltei pra casa, continuei a minha vida normal, e foi quando eu tive um pesadelo e lembrei de tudo o que aconteceu. Eu acordei, fui para a escola, e não parei de pensar um minuto no sonho que eu tive. Quando eu cheguei em casa à noite, comecei a chorar compulsivamente. Meu pai e minha irmã ficaram sem entender. Ele me perguntou o que tinha acontecido. E, assim que eu contei, ele disse com certa rispidez: “Como você não me contou isso antes?”. Mas eu entendi que era mais preocupação do que qualquer outra coisa.

Meu pai ficou muito revoltado, mas viu que não poderia fazer nada. Já a minha mãe, não agiu muito diferente. E como eles são muito religiosos rolou aquele papo de “entregar para Deus, que, de alguma forma ele seria punido”. É aquela velha história de que Deus é um tirano e vai punir quem faz o mal. Eu não acredito muito nisso, sabe? Eles não fizeram nada. Tentaram falar com ele, que disse que eu era uma mentirosa, e o meu pai disse que eu não estava inventando, me defendeu. Mas denúncia, essas coisas, não. Nada foi feito.

Hoje, quando eu vejo alguém falar “ah, você tem que provar que sofreu abuso”, eu fico perplexa. Existem casos que não tem como comprovar. Só quem já passou por isso é que sabe como é. Eu passei. E eu não tive como provar. As pessoas pensam que ou você chega toda “rasgada”, com a cara inchada, foi estuprada e tudo ou não aconteceu nada. Como no meu caso não foi. Estava só eu e ele, como eu ia provar, sabe? A mesma coisa que aconteceu comigo, acontece ainda hoje com muitas meninas e ninguém fica sabendo."





Maria C., de 32 anos

"Aos 12 anos eu sofri uma tentativa de estupro do meu avô. Eu nunca me senti 100% confortável quando ele pedia para sentar no colo dele, mas, tentava sempre confiar que era um ato de carinho, já que eu era neta dele. Isso acontecia com frequência e, para mim, não existia maldade. Até o dia que ele não me deixou levantar, apertou o meu corpo contra o dele e começou a passar a mão em mim enquanto minha avó não estava. Mesmo assustada, eu contei imediatamente para minha mãe, que ficou desorientada e sem saber direito o que fazer. Eu vivia a maior parte do tempo na casa dos meus avós e quando aconteceu, fui induzida a não falar sobre o assunto com ninguém e minha mãe não quis denunciar para a polícia. Nada foi feito. Foi assustador.

Após um tempo, o meu comportamento ficou diferente, mudou, principalmente com ele e a família começou a perceber. Todo mundo sempre me questionava e eu me esquivava, fingia que estava tudo bem. Meus tios cercavam a minha mãe o tempo todo para saber o que estava acontecendo. Ela sempre negava que algo estava acontecendo, por não querer expor uma situação desconfortável, mas acabou contando. Um deles duvidou de mim e resolveu confrontar o meu avô, que confirmou o que aconteceu. A partir desse momento, eu só quis esquecer tudo o que me aconteceu.

O assunto nunca mais foi tocado em família e, de certa forma, sempre fui forçada a um certo convívio com ele. Ninguém nunca tomou nenhuma atitude e me induziram a calar, guardar isso sozinha, me senti extremamente culpada, mesmo com um cenário ao meu favor -- já que ele assumiu o que tinha feito e eu deixei de ser a mentirosa da situação. Mas, aos 12 anos, tudo isso é muito confuso. Eu ainda era uma menina, sabe? Essas coisas são muito complicadas. Eu ainda acho que tive sorte que aconteceu apenas uma vez. O tempo passou e as imagens vão e vêm. Tive muitos momentos de depressão, hoje faço acompanhamento psiquiátrico e tomo remédios. Mas ainda me incomodo quando vejo meus tios se referindo a ele como "o grande herói da família".


Fonte: Brasil Post

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