A criminalização da violência
doméstica no país, através da Lei Maria da Penha, aconteceu após o Brasil ser
condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos por negligenciar e ser
omisso com a violência contra a mulher. A importância da lei específica é
inegável, porque foi a partir dela que o pensamento “em briga de marido e
mulher, não se mete a colher” passou a ser mais questionado.
Ao criminalizar
agressões domésticas contra mulheres, um comportamento usualmente visto como um
problema privado e apenas uma briga de família, passou a ser tratado como uma
questão pública.
Só que a Lei Maria da Penha, após
os oito anos de existência, não se mostrou suficiente para solucionar o
problema da violência doméstica. Os aspectos culturais machistas e misóginos
continuam vigentes e eles não estão dissociados da violência em si.
A romantização de relacionamentos
abusivos que se baseiam em controle e ciúme se faz presente e acaba por
naturalizar comportamentos problemáticos que podem evoluir para a violência
física. Novelas apresentam homens ciumentos, controladores e possessivos como
galãs. Essa romantização acaba por perpetuar que o amor é indissociável da
ideia de posse e isso é tão questionável porque uma das motivações mais comuns
para o feminicídio é o ciúme.
O uso do termo “crime passional”
relativiza assassinatos cometidos contra mulheres motivados pela misoginia. Ao
vincular o amor e a paixão ao cometimento de crimes perpetua-se que controle,
ciúme e posse fazem parte do amor e que os agressores ao assassinarem suas
companheiras ou ex-companheiras, o fizeram por estarem “doentes de paixão”.
O controle e a posse partem da
concepção de que mulheres são propriedades de seus pais e maridos, o que é uma
forma de desumanização. Ainda hoje, mulheres são cobradas a serem submissas aos
homens e a violência doméstica muitas vezes se manifesta com justificativas que
partem do pensamento que a mulher deve servir e que se ela não obedeceu, ela
merece uma lição.
O ciclo da violência doméstica é
difícil de ser quebrado por causa dos vários aspectos culturais, sociais e
econômicos que estão naturalizados em nosso cotidiano. O controle das roupas,
dos lugares que a mulher frequenta e a violência psicológica que se manifesta
com incessantes ataques verbais ao corpo e comportamento da parceira é a
primeira fase desse ciclo tão difícil de ser destruído. Comportamentos como
esses descritos são muitas vezes vistos como parte de relacionamentos
considerados “normais”.
A violência psicológica, que é
uma das violências que a Lei Maria da Penha tem a intenção de coibir, é ainda
vista como aceitável. Essa aceitabilidade se pauta na visão de que a mulher
deve ser submissa ao homem, por ser inferior a ele. Deve-se também ao fato de
que se espera determinados comportamentos de uma mulher, como falar baixo, usar
roupas comportadas, cuidar da casa e dos filhos. A violência muitas vezes é
justificada pelos agressores com argumentos como “ela saiu da linha”, “eu sei o
que é melhor para você” e frases que tem intenção de atacar a autoestima da mulher
para que ela acate o que se espera dela, através do uso de frases como “você
não me ama o suficiente” e “eu vou me cansar de suas frescuras e você ficará
sozinha, ninguém vai te querer”.
A dependência emocional é
construída dentro e fora do relacionamento. Ainda hoje há a cobrança, através
de costumes, para que a mulher tenha um parceiro, para que se case com um
homem, constitua família. Uma mulher sozinha, além de ser vista como
desagradável e mal amada, ainda é desqualificada por não ter um parceiro. Os
costumes dizem que a mulher deve manter o homem apaixonado e a culpa por
qualquer falha no relacionamento é considerada sempre dela. Ela é colocada como
a responsável pela manutenção da harmonia ali. É quase um ditado popular a
frase “quem não tem em casa, procura fora” que coloca a culpa da traição em
cima da mulher, além de influenciar que uma pessoa numa situação de
vulnerabilidade, sinta-se coagida a práticas sexuais que não tem vontade.
Mesmo ao sair de um
relacionamento abusivo, o rompimento é visto como um fracasso da mulher que
falhou na obrigação de manter a estrutura familiar. Assim como as agressões são
vistas como motivadas pelo comportamento da própria vítima, o rompimento também
é carregado de culpa. Essa culpa é resultado da violência psicológica a que a
mulher foi submetida e é alimentada pela culpabilização da vítima feita em
todos os âmbitos sociais, incluindo o Judiciário e a Polícia.
A violência psicológica é tão
naturalizada que sequer é percebida como um mal dentro de um relacionamento. O
machismo normaliza comportamentos perigosos e para coibir a violência doméstica
e outras violências contra a mulher é necessário que se combata com veemência
os aspectos culturais que reproduzem dinâmicas de opressão. Além de melhorar a
aplicação da Lei Maria da Penha em si, aumentar o número de delegacias
especializadas e proporcionar um atendimento 24 horas, treinar os policiais e
profissionais de saúde que prestam o atendimento às vítimas e outras ações,
também é necessário viabilizar políticas públicas que combatam o problema desde
a raiz, que é o machismo simbólico que
nos é ensinado desde crianças.
Fonte: http://ativismodesofa.blogspot.com.br/
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