O sonho de seguir carreira no
futebol não pode levar o jovem a se submeter a condições degradantes e sem
acesso à educação nas escolinhas ou centros de treinamento. Isso caracteriza
tráfico de pessoas.
O alerta foi dado hoje no seminário Na Rede Certa, dentro
da campanha de prevenção ao tráfico de crianças e adolescentes no esporte,
promovida pelo Consórcio Trama, que reúne entidades da sociedade civil de
defesa dos direitos humanos.
Por seis meses, a organização
percorreu escolas de ensino fundamental e médio do estado do Rio de Janeiro,
promovendo oficinas de conscientização sobre o tema para estudantes e
profissionais de educação. Além disso, foram ministradas 40 palestras para
multiplicadores como conselhos tutelares, órgãos de segurança pública e
organizações não governamentais.
A advogada Thaísi Bauer,
representante do Consórcio Trama, explica que as condições em que são colocados
os meninos que vão atrás do sonho de se tornar jogador de futebol normalmente
não são vistas como escravidão moderna ou tráfico de pessoas, e sim como “parte
do jogo”. Thaísi relata, porém, que os jovens passam por diversas violações de
direitos, como falta de garantia de alimentação, dormitórios em péssimas
condições de higiene e superlotados, abandono da escola e treinos de mais de
dez horas por dia.
“Sociologicamente, o futebol é
muito importante, não só aqui no Brasil como no mundo todo. E como a gente tem essa
divulgação enorme na mídia, dos meninos que vão para fora e conseguem seguir
carreira no futebol e ganhar muito dinheiro, a gente tem essa cultura dos
meninos abandonarem as escolas e começarem muito cedo no futebol para tentar um
lugar ao sol, mas 99% dos meninos que tentam a carreira de futebol não
conseguem chegar a um time de sucesso”, ressaltou.
De acordo com ela, o tráfico
interno é muito grande, com os meninos trazidos por “olheiros” do Norte e
Nordeste para o Sudeste, onde estão os maiores times. “Vários fatores levam a
isso, como as desigualdades sociais, econômicas e cultural, desconhecimento do
perigo, falta de informação dos pais, ausência de perspectiva local, o sonho de
conquistar o mercado internacional e a possibilidade de melhorar a vida da
família. E a mídia só mostra casos de sucesso”, acrescentou.
Ela relata o caso ocorrido nas
categorias de base do Vasco em 2012, onde um garoto mineiro, de 14 anos, teve
um ataque epilético durante o treino e morreu no local, sem atendimento médico,
após não ter recebido as duas últimas refeições. Thaísi também disse que muitos
meninos são levados irregularmente para o exterior, onde correm o risco de
serem abandonados pelo aliciador, caso não deem o retorno financeiro esperado.
Professora do Colégio Estadual
Oswaldo Ornellas, em São Gonçalo, região do Grande Rio, e coordenadora do
Programa Mais Educação, Celi Santana relata que as oficinas da campanha
possibilitaram que o assunto, antes invisível, entrasse na comunidade escolar.
Segundo ela, o tema é bastante invisível, e "quando se informa aos
profissionais de educação, seus companheiros de trabalho, que a atividade que
mais mobiliza crianças na escola - especialmente os meninos -, é utilizada como
forma de mercantilizar o ser humano, causa impacto, porque ela não é vista
nessa perspectiva do tráfico de pessoas”.
O Projeto Trama distribuiu
cartilha voltada para as crianças e adolescentes, conselheiros tutelares e
treinadores de escolinhas de futebol. O trabalho ganhou, inclusive, edital
lançado em parceria do Ministério da Justiça com o Escritório das Nações Unidas
sobre Drogas e Crime para o enfrentamento ao tráfico de pessoas.
Fonte: http://www.ebc.com.br/
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