quarta-feira, 29 de outubro de 2014

PL que regulamenta prostituição tramita de forma lenta no Congresso

Em 2012, o deputado federal Jean Wyllys (Psol-RJ) apresentou o Projeto de Lei 4211 (PL 4211/12) que propunha a regulamentação da profissão de prostituta. Logo, a polêmica se instaurou. Tanto no Congresso Nacional quanto na mídia e nas redes sociais. O deputado chegou a afirmar à imprensa na tribuna da Câmara dos Deputados, na defesa de seu projeto, que 60% dos parlamentares se relacionavam com prostitutas.
Bem antes, em 2003, o então deputado pelo Partido Verde Fernando Gabeira apresentou um projeto semelhante. Mas o texto foi arquivado.

A Central Única dos Trabalhadores (CUT) é contra a proposta. Para a Secretaria de Mulheres da entidade, isso só legitima a mercantilização do corpo da mulher, escondendo o machismo presente na sociedade.

Girlene Lázaro é secretária de mulheres da CUT em Alagoas. Para ela, a ideia de regulamentar a profissão de prostituta é legitimar a mercantilização do corpo feminino. “Entendemos que o projeto de lei está referenciado em aspecto simplista ao tratar a prostituição como comportamento individual e não como parte de um sistema, está centrado no indivíduo e suas escolhas no mercado sem levar em conta as relações de poder”.

Para ela, é preciso acabar com essa prática que tem no centro a exploração e a submissão feminina. “A prostituição se legitima na prática de opressão, constituída historicamente para garantir o patriarcado”.

“Considerar a prostituição como trabalho é ocultar sua realidade e essência. Que é a de ver a mulher apenas como um corpo, que existe para satisfazer e saciar o desejo do homem. Em nossa opinião, poucas mulheres utilizam-se da prostituição por vontade própria. Essa é a realidade, principalmente no Brasil”, completa.

Além disso, Girlene questiona parte do argumento de Wyllys de que a regulamentação da profissão de prostituta dá instrumentos para melhorar as condições de vida dessas mulheres.

“O Estado brasileiro já tem instrumentos para tirar as mulheres em situação de prostituição da invisibilidade e da estigmatização. Campanhas como prevenção à violência; políticas de saúde e segurança, controlar o mercado do sexo sobre o corpo e a vida de mulheres e meninas. Promoção de políticas de inclusão social, programas de educação, moradia e geração de trabalho e renda e assegurar aposentadoria universal”, defende Girlene Lázaro.

  

Para Girlene Lázaro, Estado brasileiro já tem instrumentos para tirar mulheres da estigmatização (Foto: Adailson Calheiros)

Projeto de lei mantém criminalização à exploração da prostituição

No PL 4211/12, Jean Wyllys não propôs o fim da criminalização à exploração da prostituição. O texto trata apenas das prostitutas que, segundo a atual legislação, não têm direito a garantias trabalhistas. O projeto possui seis artigos.

Diz o artigo 1º do projeto de lei que profissional do sexo é “toda pessoa maior de dezoito anos e absolutamente capaz que voluntariamente presta serviços sexuais mediante remuneração”. E o artigo 2 que “é vedada a prática de exploração sexual”.

E o artigo 5º trata da aposentadoria. “O profissional do sexo terá direito a aposentadoria especial de 25 anos, nos termos do artigo 57 da Lei 8.213, de 24 de julho de 1991”.

Em 2002, a profissão de prostituta foi incorporada ao Código Brasileiro de Ocupações (CBO) estabelecendo essa atividade como uma ocupação profissional. “As atividades são exercidas seguindo normas e procedimentos que minimizam as vulnerabilidades da profissão”.

Atualmente o PL 4211/12 tramita de forma lenta e não tem previsão de votação no Congresso Nacional.

Apesar de indigna, prática não fere os direitos humanos, diz representante da OAB

Para Daniel Nunes, presidente da Comissão de Direitos Humanos (CDH) da Ordem dos Advogados do Brasil em Alagoas (OAB/AL), a prática da prostituição, apesar de indigna, não fere os direitos humanos. A mulher tem o direito a exercer qualquer atividade. “Ninguém, dentro do nosso ordenamento, tem o direito de impedir que um homem ou uma mulher seja profissional do sexo”.

Entretanto, Daniel destaca que a exploração é crime previsto no Código Penal. “Não há repressão penal no nosso ordenamento para a mulher que se prostitui. Apenas há repressão para a exploração por terceiros do comércio sexual da mulher ou do homem”.

O presidente da CDH/OAB em Alagoas considera que a regulamentação da profissão de prostituta deve acontecer a qualquer momento. Principalmente por ela já estar inclusa no CBO desde 2002. “Mas apenas para a profissional do sexo autônoma, não pode haver subordinação nem dependência entre a profissional do sexo e um empresário”.



 Advogado Daniel Nunes lembra que não há repressão penal à atividade (Foto: Reprodução)

“A associação seria possível nesta linha de raciocínio, cooperativas, também, mas apenas entre as próprias profissionais do sexo”, completa.

Garota de programa acredita que projeto de lei pode ser benéfico

A equipe da Tribuna Independente tentou entrar em contato com prostitutas para saber a opinião delas sobre o tema. Das cinco contatadas, apenas três falaram. Sendo que duas rapidamente, desligando o telefone em poucos minutos.

Das que não queriam muita conversa, uma delas disse não “fazer questão” de nenhuma lei que regulamente a profissão, pois estaria se prostituindo por pouco tempo. “Isso aqui é passageiro”. A outra disse concordar com o projeto. Que o conhecia e estava “por dentro” da discussão, mas depois desligou o telefone. Ambas afirmaram trabalhar por conta própria.

Isis (nome fictício), de 19 anos, disse conhecer um pouco a discussão sobre o tema. Ela faz programas, por conta própria, para pagar a faculdade particular de enfermagem em Maceió. “Não conheço muito o projeto. Vi uma reportagem na tevê há algum tempo e nunca parei para me inteirar. Mas acredito que vai melhorar a vida das prostitutas”.

No entanto, Isis disse que não tem a intenção de garantir os benefícios contidos no PL 4211/12 caso ele seja aprovado enquanto ainda estiver se prostituindo. “Vou terminar meu curso e trabalhar na profissão que escolhi. Isso aqui é só por um tempo, para pagar as contas”.

Diferenças: Há três tipos de legislação sobre a prostituição no mundo

Existem três tipos básicos de legislação sobre a prostituição no mundo: o abolicionismo, o regulamentarismo e o proibicionismo. As leis brasileiras dialogam com o abolicionismo, onde a exploração da prostituição é crime, mas não a prostituta.

Portanto, quem está na ilegalidade é o cafetão ou dono de casa de prostituição. Isso facilita a corrupção, pois por meio de coerção, profissionais do sexo podem facilmente omitir a existência de um agenciador. Esse sistema está em vigor no país desde 1942.

O regulamentarismo reconhece a profissão, exigindo que os profissionais do sexo sejam submetidos a exames regulares e determina os locais onde a atividade pode ser exercida. Também cria possibilidade de existir contratos de trabalho, seguridade social e aposentadoria. O PL 4211/12 de autoria de Jean Wyllys (Psol-RJ) dialoga com esse tipo legal. À exceção é a possibilidade de presença de um patrão ou explorador da prostituição.

Os países que têm suas leis sobre o tema que dialogam com o regulamentarismo são Uruguai, Equador, Bolívia, Alemanha e Holanda. O tipo mais duro, o proibicionismo é praticado em poucos países, um deles são os Estados Unidos. Por essa concepção, é proibido se prostituir. O Estado decide o que se faz com o corpo das pessoas. Por isso, é comum nos filmes de Hollywood, prostitutas o tempo todo sendo presas.

Estigmatização é por causa de tabu sobre sexo, diz antropólogo

O antropólogo Jorge Vieira afirma que o tabu sobre sexo é o centro das reações de caráter moralista em relação à prostituição. Segundo ele, em todas as sociedades há esse tipo de comportamento.

“Na sociedade ocidental, de matriz Greco-romana cristã, deu origem, a partir da filosofia dualista grega. Platão diz que ‘o corpo é o cárcere da alma’ e a teologia cristã assumiu essa concepção e a transformou em pecado. Com isso, como somos formados por essa matriz, a população construiu o estigma que separa a mulher virgem da mulher que ganha a vida financeira através do próprio corpo”, explica.

Jorge Vieira ressalta o machismo como parte integrante dessa lógica. “A formação social machista é originada na estrutura patriarcal, que foi se perpetuando ao longo da história da humanidade”.

Entretanto, o antropólogo ressalta a hipocrisia de setores da sociedade em relação à prostituição. Principalmente nas camadas sociais mais abastadas, onde relações são baseadas em bens materiais. “Em toda sociedade, encontramos esse tipo de comportamento, particularmente nas classes sociais mais abastadas, diferentemente da população mais pobre”.

Ele explica que pelo fato dos mais pobres terem relação com as populações indígenas e africanas, a relação com sexo é mais aberta. “Os menos abastados têm outra concepção sobre o sexo, até porque vêm de sociedades mais abertas, como indígenas e africanos. A sociedade abastada e seus aliados têm uma tendência mais arraigada de hipocrisia e moralismo”.

E é aí, segundo ele, que se destaca o comportamento hipócrita sobre a prostituição. Os mais ricos fingem que suas relações não são baseadas nos bens materiais e condenam os demais que estão fora do mesmo grupamento social ao trocar sexo por mercadoria ou dinheiro. “Tudo isso é resultado da sociedade de classes. Em geral, a classe é condescendente e palatável ao comportamento dos seus membros e radical para com aqueles que são não do seu grupo”.

Fonte: Tribuna Hoje

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