Em 2012, o deputado federal Jean
Wyllys (Psol-RJ) apresentou o Projeto de Lei 4211 (PL 4211/12) que propunha a
regulamentação da profissão de prostituta. Logo, a polêmica se instaurou. Tanto
no Congresso Nacional quanto na mídia e nas redes sociais. O deputado chegou a
afirmar à imprensa na tribuna da Câmara dos Deputados, na defesa de seu
projeto, que 60% dos parlamentares se relacionavam com prostitutas.
A Central Única dos Trabalhadores
(CUT) é contra a proposta. Para a Secretaria de Mulheres da entidade, isso só
legitima a mercantilização do corpo da mulher, escondendo o machismo presente
na sociedade.
Girlene Lázaro é secretária de
mulheres da CUT em Alagoas. Para ela, a ideia de regulamentar a profissão de
prostituta é legitimar a mercantilização do corpo feminino. “Entendemos que o
projeto de lei está referenciado em aspecto simplista ao tratar a prostituição
como comportamento individual e não como parte de um sistema, está centrado no
indivíduo e suas escolhas no mercado sem levar em conta as relações de poder”.
Para ela, é preciso acabar com
essa prática que tem no centro a exploração e a submissão feminina. “A
prostituição se legitima na prática de opressão, constituída historicamente
para garantir o patriarcado”.
“Considerar a prostituição como
trabalho é ocultar sua realidade e essência. Que é a de ver a mulher apenas
como um corpo, que existe para satisfazer e saciar o desejo do homem. Em nossa
opinião, poucas mulheres utilizam-se da prostituição por vontade própria. Essa
é a realidade, principalmente no Brasil”, completa.
Além disso, Girlene questiona
parte do argumento de Wyllys de que a regulamentação da profissão de prostituta
dá instrumentos para melhorar as condições de vida dessas mulheres.
“O Estado brasileiro já tem
instrumentos para tirar as mulheres em situação de prostituição da
invisibilidade e da estigmatização. Campanhas como prevenção à violência;
políticas de saúde e segurança, controlar o mercado do sexo sobre o corpo e a
vida de mulheres e meninas. Promoção de políticas de inclusão social, programas
de educação, moradia e geração de trabalho e renda e assegurar aposentadoria
universal”, defende Girlene Lázaro.
Para Girlene Lázaro, Estado
brasileiro já tem instrumentos para tirar mulheres da estigmatização (Foto:
Adailson Calheiros)
Projeto de lei mantém
criminalização à exploração da prostituição
No PL 4211/12, Jean Wyllys não
propôs o fim da criminalização à exploração da prostituição. O texto trata
apenas das prostitutas que, segundo a atual legislação, não têm direito a
garantias trabalhistas. O projeto possui seis artigos.
Diz o artigo 1º do projeto de lei
que profissional do sexo é “toda pessoa maior de dezoito anos e absolutamente
capaz que voluntariamente presta serviços sexuais mediante remuneração”. E o
artigo 2 que “é vedada a prática de exploração sexual”.
E o artigo 5º trata da
aposentadoria. “O profissional do sexo terá direito a aposentadoria especial de
25 anos, nos termos do artigo 57 da Lei 8.213, de 24 de julho de 1991”.
Em 2002, a profissão de
prostituta foi incorporada ao Código Brasileiro de Ocupações (CBO)
estabelecendo essa atividade como uma ocupação profissional. “As atividades são
exercidas seguindo normas e procedimentos que minimizam as vulnerabilidades da
profissão”.
Atualmente o PL 4211/12 tramita
de forma lenta e não tem previsão de votação no Congresso Nacional.
Apesar de indigna, prática não
fere os direitos humanos, diz representante da OAB
Para Daniel Nunes, presidente da
Comissão de Direitos Humanos (CDH) da Ordem dos Advogados do Brasil em Alagoas
(OAB/AL), a prática da prostituição, apesar de indigna, não fere os direitos
humanos. A mulher tem o direito a exercer qualquer atividade. “Ninguém, dentro
do nosso ordenamento, tem o direito de impedir que um homem ou uma mulher seja
profissional do sexo”.
Entretanto, Daniel destaca que a
exploração é crime previsto no Código Penal. “Não há repressão penal no nosso
ordenamento para a mulher que se prostitui. Apenas há repressão para a
exploração por terceiros do comércio sexual da mulher ou do homem”.
O presidente da CDH/OAB em
Alagoas considera que a regulamentação da profissão de prostituta deve
acontecer a qualquer momento. Principalmente por ela já estar inclusa no CBO
desde 2002. “Mas apenas para a profissional do sexo autônoma, não pode haver
subordinação nem dependência entre a profissional do sexo e um empresário”.
Advogado Daniel Nunes lembra que
não há repressão penal à atividade (Foto: Reprodução)
“A associação seria possível
nesta linha de raciocínio, cooperativas, também, mas apenas entre as próprias
profissionais do sexo”, completa.
Garota de programa acredita que
projeto de lei pode ser benéfico
A equipe da Tribuna Independente
tentou entrar em contato com prostitutas para saber a opinião delas sobre o
tema. Das cinco contatadas, apenas três falaram. Sendo que duas rapidamente,
desligando o telefone em poucos minutos.
Das que não queriam muita
conversa, uma delas disse não “fazer questão” de nenhuma lei que regulamente a
profissão, pois estaria se prostituindo por pouco tempo. “Isso aqui é
passageiro”. A outra disse concordar com o projeto. Que o conhecia e estava
“por dentro” da discussão, mas depois desligou o telefone. Ambas afirmaram
trabalhar por conta própria.
Isis (nome fictício), de 19 anos,
disse conhecer um pouco a discussão sobre o tema. Ela faz programas, por conta
própria, para pagar a faculdade particular de enfermagem em Maceió. “Não
conheço muito o projeto. Vi uma reportagem na tevê há algum tempo e nunca parei
para me inteirar. Mas acredito que vai melhorar a vida das prostitutas”.
No entanto, Isis disse que não
tem a intenção de garantir os benefícios contidos no PL 4211/12 caso ele seja
aprovado enquanto ainda estiver se prostituindo. “Vou terminar meu curso e
trabalhar na profissão que escolhi. Isso aqui é só por um tempo, para pagar as
contas”.
Diferenças: Há três tipos de
legislação sobre a prostituição no mundo
Existem três tipos básicos de
legislação sobre a prostituição no mundo: o abolicionismo, o regulamentarismo e
o proibicionismo. As leis brasileiras dialogam com o abolicionismo, onde a
exploração da prostituição é crime, mas não a prostituta.
Portanto, quem está na
ilegalidade é o cafetão ou dono de casa de prostituição. Isso facilita a
corrupção, pois por meio de coerção, profissionais do sexo podem facilmente
omitir a existência de um agenciador. Esse sistema está em vigor no país desde
1942.
O regulamentarismo reconhece a
profissão, exigindo que os profissionais do sexo sejam submetidos a exames
regulares e determina os locais onde a atividade pode ser exercida. Também cria
possibilidade de existir contratos de trabalho, seguridade social e
aposentadoria. O PL 4211/12 de autoria de Jean Wyllys (Psol-RJ) dialoga com
esse tipo legal. À exceção é a possibilidade de presença de um patrão ou
explorador da prostituição.
Os países que têm suas leis sobre
o tema que dialogam com o regulamentarismo são Uruguai, Equador, Bolívia,
Alemanha e Holanda. O tipo mais duro, o proibicionismo é praticado em poucos
países, um deles são os Estados Unidos. Por essa concepção, é proibido se
prostituir. O Estado decide o que se faz com o corpo das pessoas. Por isso, é
comum nos filmes de Hollywood, prostitutas o tempo todo sendo presas.
Estigmatização é por causa de
tabu sobre sexo, diz antropólogo
O antropólogo Jorge Vieira afirma
que o tabu sobre sexo é o centro das reações de caráter moralista em relação à
prostituição. Segundo ele, em todas as sociedades há esse tipo de
comportamento.
“Na sociedade ocidental, de
matriz Greco-romana cristã, deu origem, a partir da filosofia dualista grega.
Platão diz que ‘o corpo é o cárcere da alma’ e a teologia cristã assumiu essa
concepção e a transformou em pecado. Com isso, como somos formados por essa
matriz, a população construiu o estigma que separa a mulher virgem da mulher
que ganha a vida financeira através do próprio corpo”, explica.
Jorge Vieira ressalta o machismo
como parte integrante dessa lógica. “A formação social machista é originada na
estrutura patriarcal, que foi se perpetuando ao longo da história da
humanidade”.
Entretanto, o antropólogo
ressalta a hipocrisia de setores da sociedade em relação à prostituição.
Principalmente nas camadas sociais mais abastadas, onde relações são baseadas
em bens materiais. “Em toda sociedade, encontramos esse tipo de comportamento,
particularmente nas classes sociais mais abastadas, diferentemente da população
mais pobre”.
Ele explica que pelo fato dos
mais pobres terem relação com as populações indígenas e africanas, a relação
com sexo é mais aberta. “Os menos abastados têm outra concepção sobre o sexo,
até porque vêm de sociedades mais abertas, como indígenas e africanos. A
sociedade abastada e seus aliados têm uma tendência mais arraigada de
hipocrisia e moralismo”.
E é aí, segundo ele, que se
destaca o comportamento hipócrita sobre a prostituição. Os mais ricos fingem
que suas relações não são baseadas nos bens materiais e condenam os demais que
estão fora do mesmo grupamento social ao trocar sexo por mercadoria ou
dinheiro. “Tudo isso é resultado da sociedade de classes. Em geral, a classe é
condescendente e palatável ao comportamento dos seus membros e radical para com
aqueles que são não do seu grupo”.
Fonte: Tribuna Hoje
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