Falta tempo para o trabalho. Cuidado com os filhos, sobrecarga
de afazeres em casa, culpa, horário difícil, machismo, tudo isso junto está
freando a entrada da mulher no mercado de trabalho, depois do explosivo avanço
nas décadas de 1970 e 1980.
O nível de ocupação, que é a parcela de mulheres trabalhando
no total da população feminina de 10 anos ou mais, mantém-se pouco acima de 40%
há mais de 20 anos. Em 1992, era de 43,3%, em 2011, estava em 45,5%. Fenômeno
que a economista Hildete Pereira de Melo, da UFF e pesquisadora das questões de
gênero, chama de teto de vidro: — Há um teto de vidro, uma barreira a essa
entrada no mercado.
Segundo números da pesquisadora, a parcela da mão de obra
feminina na força de trabalho total era de 43,9% em 2009 e caiu para 43,3% em
2011. A falta de creche é um dos obstáculos para as mães terem direito ao
trabalho remunerado. Quando consegue creche, o trabalho remunerado faz parte da
vida de 71% dessas mulheres, quando não têm onde deixar as crianças, a taxa cai
para 43,4%.
— Trabalhava 12 horas por dia quando engravidei. Dez dias
depois do parto, minha firma faliu, passei as madrugadas preparando ação contra
a empresa. Logo depois veio o segundo filho. Como arranjar tempo para ficar com
os filhos, trabalhando 12 horas por dia? Chego a sonhar que estou numa
audiência — conta a advogada Kívia Nunes, resumindo o dilema de conciliar o
desejo e a necessidade de cuidar dos filhos com os planos de trabalhar.
Salário é 25% menor
A economista Lena Lavinas, professora do Instituto de
Economia da UFRJ, joga a remuneração do trabalho na discussão. Como o salário
feminino é 25% menor que o do homem, na hora da escolha familiar de quem tem
que parar para cuidar das crianças, esse fator pesa: — Essa disparidade acaba
reforçando o papel doméstico da mulher. Tinha que ter licença paternidade e
maternidade. O pai fica sete dias em casa, e quando o trabalho com o bebê
começa de verdade, ele volta ao trabalho. Diminuiu a participação dos homens no
mercado de trabalho, mas nem por isso aumentou a participação deles nos
afazeres domésticos.
Menos aposentadas
Em 2011, o homem gastava dez horas e oito minutos de sua
semana com afazeres domésticos, enquanto as mulheres destinavam 22 horas e 13
minutos. Dez anos antes, o tempo dedicado pelos homens era oito minutos menor.
Para a economista Guiomar Aquilini, analista da Fundação
Seade, o excesso de trabalhos ditos femininos traz consequência para toda a
vida profissional da mulher: — Na aposentadoria isso fica claro. Enquanto 42,1%
dos homens estão aposentados entre 50 e 75 anos, entre as mulheres essa parcela
cai para 29,4%. Reflexo do trabalho não remunerado, dentro de casa.
A renda baixa desestimula ainda mais a entrada no mercado.
Entre as 25% mais pobres da região, a taxa de atividade (mulheres que trabalham
e que procuram emprego na população com 10 anos ou mais) caiu de 45,7% para
43,9% em dez anos. Entre as mulheres com mais renda subiu de 62,4% para 65,1%.
— Quando a renda é maior, é possível terceirizar o serviço.
O marido da psicóloga Yramaia Valini Rinaldi Cruz, de 42
anos, recebeu uma proposta para trabalhar em Salvador quando o segundo filho do
casal tinha 1 ano e o primeiro, 2 anos. Como o ganho de Yramaia era pequeno, o
casal se mudou e a psicóloga parou de trabalhar.
— Sempre quis ter família grande, mas depois que abandonei o
emprego chorava de vez em quando. Não gostava de me sentir como dona de casa.
Três anos depois, a família retornou a São Paulo e já estava
maior: nascera a terceira criança, uma menina, hoje com 12 anos. Novamente,
optou por deixar as crianças sob os cuidados da avó. Mas os meninos tinham
crescido. O primeiro tinha 6 anos, o segundo, 4. Ou seja, davam muito mais
trabalho do que quando eram bebês. E ainda tinha a menina, de apenas 1 ano, que
exigia atenção constante: — Foi horrível. Aí vi que não valia a pena trabalhar.
Financeiramente, não dependíamos do que eu ganhava e percebi
que me satisfazia mais cuidando das crianças. Desta vez, ficar em casa foi
opção — afirma, que com as crianças maiores resolveu tornar o hobby de
fotografar em profissão e montou um estúdio em casa.
Também foi por opção que Rachelle Cordeiro deixou o trabalho
numa revendedora de carros ao engravidar de Matheus, hoje com 1 ano.
— Ele nunca teve um resfriado. Não quis pôr em creche, é
muita criança junto. O pediatra diz que o melhor é a mãe ficar com o filho pelo
menos até os 7 anos. Pretendo cuidar somente dele até os 5 anos e acho que
consigo voltar ao mercado.
Fonte: O Globo
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