quinta-feira, 29 de agosto de 2013

“A poesia me salvará”. A mística de Adélia Prado

Para Adélia Prado, a poesia é uma possibilidade para qualquer pessoa. É como a graça, pode acontecer para qualquer um, porque a poesia é gratuita. Ela é inspiração divina. O caminho místico é o caminho do sentido. Deus é a principal poesia e a própria Criação é uma criação poética de Deus. “Poesia sois Vós, ó Deus. Eu busco vos servir”, escreve.


Há anos, o Cepat/CJ-Cias vem promovendo uma reflexão vivencial dos místicos cristãos e de suas contribuições para que nos dias atuais se possa redescobrir os aspectos essenciais da vida e de seu sentido mais profundo a partir da experiência cristã. A esse esforço deu-se o nome de Rezar com os Místicos. Nomes clássicos da mística cristã, como São João da Cruz, Santo Inácio de Loyola, Santa Teresa de Ávila, entre outros, já foram temas deste espaço de encontro e de acolhida, sempre realizado durante um dia todo, na Casa do Trabalhador, em Curitiba.
Neste último sábado, dia 24 de agosto, ousou-se partir da experiência de vida cristã da poetisa mineira Adélia Prado, com a assessoria da professora de teologia da PUC-Rio, Mônica Baptista Campos, que fez um estudo intitulado ““A poesia me salvará”. Mística e afeto para uma cristologia teopoética na obra de Adélia Prado”. A partir da contribuição da poetisa mineira, Campos apresentou e encantou a todos os participantes com a possibilidade de uma experiência sensível e aberta à vivência cristã no cotidiano do tempo presente.

A reportagem é de Jonas Jorge da Silva e as fotos de Ana Paula Abranoski, ambos da equipe do Cepat/CJ-Cias.

A assessora enfatizou que em suas poesias Adélia Prado consegue captar os pequenos detalhes, enxergando o fundamental nas coisas do cotidiano. Sua poesia é a expressão da beleza presente na vida. É por esse caminho que ela entende a Deus. Para ela, experiência mística e experiência poética são uma mesma realidade.

Adélia Prado retoma a dimensão do belo e do encantamento com a vida, perdida todas as vezes que no cristianismo houve um estreitamento do olhar para uma visão meramente racionalista e lógica do mundo. A mística na obra da poetisa é o inundar-se, sem querer decifrar, mas deixando-se envolver pelo mistério.

A poetisa escreve o que vive. Nunca optou pelo burburinho, abrindo mão do assédio daqueles que querem dissociá-la da complexidade que é a própria vida simples, elementar. Na experiência de um mosteiro, por exemplo, considera o porteiro e o cozinheiro aqueles com maiores possibilidades da vivência mística. “Deus está entre as panelas”, escreve a poetisa.

No mundo da apatia, para a poetisa sentir é fundamental. Essa sua sensibilidade é fruto de sua própria condição. Aquilo que escreve não nasce de uma intelectualidade esvaziada de vida. Ela é uma mulher comum. É mãe de cinco filhos, tem medo de viajar de avião, foge do glamour e preserva a cultura do interior. Além disso, foi professora, catequista e sempre apreciou uma boa liturgia. Portanto, os principais temas e aspectos da literatura de Adélia Prado são: a condição da mulher, a forte impregnação da religiosidade cristã e do cotidiano doméstico, familiar e social.

Para Adélia Prado, a poesia é uma possibilidade para qualquer pessoa. É como a graça, pode acontecer para qualquer um, porque a poesia é gratuita. Ela é inspiração divina. O caminho místico é o caminho do sentido. Deus é a principal poesia e a própria Criação é uma criação poética de Deus. “Poesia sois Vós, ó Deus. Eu busco vos servir”, escreve.

Nas obras “O pelicano” e “A faca no peito”, a professora Mônica Campos encontrou a cristologia de Adélia Prado. Nelas está presente uma mística da encarnação. Deus está no mundo, não está fora. A transcendência mora, pousa nas coisas. Em sua poesia, Jonathan é o codinome para Jesus. Assim, a poetisa percebe a encarnação de Deus como uma experiência afetiva. Se em nossa tradição a experiência corporal foi muito recalcada, aqui, ela a resgata. A mística cristã é o encontro com a pessoa de Jesus, que possui um corpo.

Há em Adélia Prado uma contundente crítica à tentativa de eliminar a condição corporal do ser humano. Escreve: “Entre as pernas geramos e sobre isso se falará até o fim, sem que muitos entendam: erótico é a alma”. Desta forma, a poetisa não abre mão da dimensão da beleza de Jonathan (Jesus). O belo atrai, é força erótica e sedutora. A beleza gera alegria, gozo e prazer. Ama-se a Deus porque este amou primeiro. A poetisa resgata o valor da dimensão erótica da vida, sem contrapô-la à experiência cristã. Trata-se de uma força de atração, um desejo de união com o outro. Essa força gera vínculos de saudade. É uma fonte de ternura e Jesus Cristo, neste sentido, é a expressão do Deus afetivo, do Deus-conosco, que possui uma relação de intimidade com o ser humano.


Foi um sábado excepcional para todos os participantes. Ao longo do dia, a professora Mônica Campos dinamizou sua assessoria com a distribuição de “pílulas de poesia”, com espaço de interiorização e com a distribuição de poesia por todo o local do encontro. Um momento forte de encontro, sintonia e celebração da vida cristã.
Fonte: Ihu

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