"Maria, Marta, mulheres, não tenham medo.
Continuem vivendo, ouvindo e anunciando a Palavra que gera vida nova. Novas
relações! Uma Igreja e uma sociedade de iguais! É o fim do poder violento do
patriarcado! Marta, não se desespere! Anuncie a Palavra que quebra o fetiche do
poder. Palavra que resgata a memória dos pequenos..."
Por Maria Soave
É muito comum, numa
roda de amigos, num churrasco de domingo, ou na partilha da cuida de chimarrão,
ouvir piadas. Nessas rodas, antes ou depois, se escutam piadas sobre mulheres.
Mulheres... nas
piadas, elas são sensuais, burras, fofoqueiras... mulheres... Nos contos
populares ou são boazinhas, só à espera de um príncipe encantado, ou malvadas
bruxas, tramando algo de ruim contra outras mulheres. Estou vivendo nesta vida
como mulher, construindo, nas relações cotidianas, a humanidade do meu viver
mulher. Não é fácil viver como mulher neste mundo assim violentamente
patriarcal! Estou tentando...
Tento de um jeito
radicalmente desconfiado. Desconfiar é uma atitude de espiritualidade, de alma
no corpo, de quem quer resgatar e construir uma história que devolva dignidade
a todos e todas os pequenos, sem voz e vez. Desconfiar, para poder ouvir um
canto desde sempre cantado baixinho e sufocado pelas "palavras de
ordem" gritadas por quem tem poder. Como mulher carrego nos olhos o choro
sufocado de milhões de mulheres. Como mulher carrego a ferida da história não
contada e esquecida de milhões de mulheres. Sou mulher, por isto desconfio das
histórias que ocupam as estantes oficiais das importantes bibliotecas. São
histórias contadas a partir de quem? As "verdades" de quem? Crianças,
mulheres e empobrecidos, onde estão nessas histórias? Sou mulher, por isso
desconfio...
O outono tinha
chegado de mansinho, trazendo alguns dias de frio. As oliveiras brilhavam
grávidas ao sol doce daqueles dias. Dali a pouco, óleo novo encheria os odres
de barro cozido. Óleo e vinho novos: fartura e comida para o inverno que estava
se aproximando.
Todas as tardes,
Marta guardava um punhado de azeitonas maduras. Em breve, seriam espremidas e
transformadas em óleo. Um pouco de azeite é fundamental em casa. Um pouco de
azeite reaviva o sabor da comida. O óleo de oliva não deixará azedar o vinho.
Um pouco de azeite cura a dor de ouvido e de garganta, faz as crianças
crescerem fortes e sadias. Um pouco de azeite deixa a pele macia e cheirosa para
o amor...
Fazia muitas luas
que Jesus não aparecia naquela região da periferia de Jerusalém chamada
Betânia. Era homem do norte, lá da Galiléia, terra de curandeiros e profetas,
gente do campo em luta contra o poder romano e a hipocrisia do templo. Betânia
não. Era uma pequena ilha de amor e ternura. Lá se encontravam a casa das
discípulas e dos discípulos amados: Marta, Maria e Lázaro.
Era gostoso para
Jesus ir à casa de Marta (provavelmente era a mais velha dos irmãos, por isso a
casa tinha o seu nome). Crianças, mulheres e pobres se reuniam na casa de
Marta. Havia carinho. Maria contava boas histórias que faziam a esperança
brilhas nos olhos das pessoas. Marta bendizia Adonai, o Senhor, e repartia o
pão. Lázaro e Jesus eram colo seguro para as crianças...
A casa de Marta,
mesa da Palavra, do Carinho e da Fração do Pão. A casa de Marta, lugar de
inclusão de mulheres, pobres e crianças. Maria e Marta, diáconas da igreja
doméstica de Betânia.
Fazia muitas luas
que Jesus não aparecia naquela região do sul chamada Betânia. Uma nova moda de
pensamentos era trazida pelo exército romano, invadindo também aquelas regiões
do sul da Palestina. Filosofia grega e desenvolvimento do pensamento judaico.
Alma separada do corpo. Sagrado separado do profano. Céu separado da terra.
Mulher inferior ao homem. Algumas pessoas do grupo de Jesus deixavam-se levar
por esta nova onda. Diziam que lugar de mulher não era na diaconia, na
coordenação da comunidade, no ministério da Palavra e da Fração do Pão. Diziam
que mulher era para ficar cozinhando e ouvindo. Tinha até gente que dizia que
mulher nunca dava certo porque sempre acabava brigando com outra mulher.
Jesus foi à casa de
Marta. O coração estava molhado de tristeza. Sempre tinha desejado no seu grupo
um discipulado de pessoas iguais, homens e mulheres vivendo o amor e o serivço
aos pobres. E agora, em nome da filosofia dos poderosos romanos, queria-se
expulsar as mulheres dos apostolado.
O coração de Jesus
estava encharcado de tristeza. Naquele momento, Jesus se lembrou de uma
palavra: Dabar - "o que diz acontece". Palavra ouvida e falada.
"Maria, Marta, mulheres, não tenham medo. Continuem vivendo, ouvindo e
anunciando a Palavra que gera vida nova. Novas relações! Uma Igreja e uma
sociedade de iguais! É o fim do poder violento do patriarcado! Marta, não se
desespere! Anuncie a Palavra que quebra o fetiche do poder. Palavra que resgata
a memória dos pequenos... Maria escolheu a parte melhor... Sejam desconfiadas,
afinem os ouvidos do coração para reconhecer as histórias escondidas,
sufocadas, apagadas..."
Extraído de Luas...
Contos e En-cantos dos Evangelhos, de Maria Soave (em reimpressão). Confira
outros livros da autora.
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