O enfrentamento à exploração sexual de mulheres não se faz culpabilizando as mulheres pelas violações de direitos a que são submetidas. Também não ajuda um debate superficial sobre a consideração ou não da prostituta como uma “profissional liberal”. Trata-se de combater a exploração e o abuso da vulnerabilidade em que, por vezes, se encontram essas mulheres indo às raízes da injustiça.
Por José M. L. Uriol (Coordenador da Pastoral da Mulher de Bh)
O Brasil sediará nos próximos
anos, dois dos maiores eventos esportivos de todo o mundo: a Copa do Mundo de
2014 e as Olimpíadas de 2016. O campeonato mundial de futebol revela-se um
negócio bilionário que movimenta mais de
500 mil milhões de dólares por ano, e que no próximo ano se realizará em um país que ainda está entre os 12 mais desiguais do mundo, onde mais de 20% da população vivem em situação de
pobreza ou indigência.
A pobreza extrema, a prostituição e o tráfico
de mulheres são alguns dos rostos escondidos por trás da Copa do Mundo, momento
no qual milhões de telespectadores focarão sua atenção nos jogos de futebol,
enquanto colocam entre parênteses as
profundas desigualdades sociais e econômicas próprias do mundo contemporâneo. A
principal tarefa da FIFA é abrir mercados, e o país anfitrião, neste caso o
Brasil, deve dar os direitos para tudo, desde publicidade e marketing, até o controle dos espaços em torno dos
estádios, tornando-se a FIFA um tipo de
estado soberano nos estádios onde tem jogos da Copa do Mundo. A FIFA, na
realidade, possibilita que umas poucas transnacionais gigantes, com negócios
ligados ao esporte mais popular do planeta, multipliquem seus lucros.
Para o próximo ano são esperados
no Brasil de 600 mil a 1 milhão de turistas estrangeiros, e cerca de 5 milhões
de turistas brasileiros, o chamado turismo interno. Ao mesmo tempo o evento
provocará consequências muito negativas para os segmentos sociais
historicamente excluídos.
Uma delas se refere ao aumento do
tráfico e da exploração sexual de mulheres para fins de prostituição para
suprir uma das principais demandas da festa suprema do futebol profissional. Serão
atraídas milhares de mulheres jovens e pobres, em situação de vulnerabilidade,
que sonham sair da miséria e conseguir um dinheiro para manter suas famílias[1].
Estes grandes eventos
internacionais facilitam que as redes criminosas “aumentem a oferta” de
prostitutas, como demostrou num estudo recente a Fundação Scelles[2].
E também promovem o turismo sexual . As
mulheres são vendidas no exterior como
um atrativo turístico a mais, oferecendo
“pacotes turísticos” que incluem “promoções” de exploração sexual
comercial de mulheres, crianças e adolescentes frequentemente vitimizadas pelo
tráfico de pessoas.
Neste contexto devemos lembrar
que na Alemanha e na África do Sul, quando estes países foram sedes da realização
da Copa do Mundo, a defesa pela regulamentação da prostituição surgiu como
proposta lançada pela FIFA para
enfrentar esta questão. Curiosamente agora se tramita em nosso congresso o
projeto de lei de autoria do Deputado Federal Jean Wyllys que pretende
regulamentar a prostituição tornando-a uma profissão no Brasil.
O Pacto Nacional de Enfrentamento
à violência contra a mulher[3]
obriga o Estado brasileiro a implementar campanhas e apoiar ações educativas
permanentes que possibilitem a desconstrução dos mitos e estereótipos
relacionados à sexualidade das mulheres e à naturalização da violência contra
as mulheres; e que promova o enfrentamento à exploração sexual e ao tráfico de
pessoas, principalmente nas cidades sede da Copa do mundo 2014 (eixo II, item 2
- f).
O enfrentamento à exploração
sexual de mulheres não se faz culpabilizando as mulheres pelas violações de
direitos a que são submetidas. Também não ajuda um debate superficial sobre a
consideração ou não da prostituta como uma “profissional liberal”. Trata-se de
combater a exploração e o abuso da vulnerabilidade em que, por vezes, se
encontram essas mulheres indo às raízes da injustiça. O debate sobre a prostituição
deve ser abordado no âmbito das estruturas sociais que fazem que a opção da mulher por exercer a
prostituição seja menos fruto de uma escolha do que se deseja fazer do que uma
escolha entre o que se pode fazer para conquistar condições materiais mínimas[4].
Neste sentido é fundamental modificar as relações capitalistas patriarcais que contribuem
à pobreza de amplas camadas sociais, particularmente das mulheres, e à
mercantilização dos corpos.
[1]
Copa atrai mais mulheres para a prostituição em BH (http://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2013/05/19/interna_gerais,390443/copa-atrai-mais-mulheres-para-a-prostituicao-em-bh.shtml)
Copa do Mundo incentiva migração de prostitutas para
São Paulo em 2014 (http://copadomundo.uol.com.br/noticias/redacao/2013/02/28/copa-do-mundo-incentiva-migracao-de-prostitutas-para-sao-paulo-em-2014.htm)
[2] http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/01/120118_prostituicao_df_is.shtml
[3] http://spm.gov.br/publicacoes-teste/publicacoes/2011/pacto-nacional
[4] MATTOS,
P. A dor e o estigma da puta pobre. In: SOUZA, J. et al. A ralé brasileira: quem é e como vive. Belo
Horizonte: Editora UFMG, 2009. p. 173-201
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