Lázaro está presente em cada
um, não está morto, apenas dorme. As fontes da alegria, as fontes da
criatividade e da confiança, as fontes do agradecimento e das
bem-aventuranças... não estão mortas; estão adormecidas e necessitadas de que
alguém tire os escombros e afaste a pedra que bloqueia o impulso da vida. E
cabe a nós, como seguidores(as) de Jesus, despertá-las com a voz, com os
gestos, com o olhar, com as mãos.
“Lázaro, vem para fora!”
A reflexão bíblica é elaborada
por Adroaldo Palaoro, sacerdote jesuíta, comentando o evangelho do 5° Domingo
do Tempo de Quaresma (02/04/2017) que corresponde ao Evangelho segundo João11,1-45.
Os relatos evangélicos do 3º, 4º.
e 5º. domingo da Quaresma do Ciclo A, tomados do evangelista João, apresentam
Jesus como Fonte de Água viva (samaritana), Luz do mundo (cego de nascença) e
Vida (ressurreição de Lázaro). Três símbolos de nossas necessidades humanas
mais fortes (água, luz e vida) e que só o encontro com Jesus pode preenchê-las.
A Quaresma termina com um chamado
à vida. Não qualquer vida, mas a Vida verdadeira, a Vida que deseja ser
despertada para romper com tudo aquilo que a limita. Por isso, o relato da
ressurreição de Lázaro é toda uma catequese sobre o encontro com Aquele que é
Vida e que é fonte de vida em crescente amplitude. Jesus não vem prolongar a
vida biológica, vem comunicar a Vida de Deus que Ele mesmo possui pelo Espírito
e da qual pode dispor.
Em Jesus acontece algo totalmente
novo; Ele traz uma nova maneira de viver e de comunicar vida que não cabe nos
nossos esquemas. É justamente isso o que mais atrai em sua pessoa. Quem entra
em comunhão de vida com Ele, conhece uma vida diferente, de qualidade nova,
expansiva...
Nesse sentido, a experiência do
Seguimento de Jesus é uma verdadeira “escola de vida”, cujo aprendi-zado nos
leva ao âmago do nosso ser, para enraizar nossa vida no coração da Trindade,
dele haurir a seiva da vida divina e deixar-nos plenificar pela graça
transbordante de Deus.
Nada mais contrário ao espírito
do Evangelho que a vida instalada e uma existência estabilizada de uma vez para
sempre, tendo pontos de referência fixos, definitivos, tranqüilizadores...
Para o evangelista João, a “vida”
é uma totalidade, ou seja, a vida presente, a vida atual, possui tal pleni-tude
que, com toda razão, podemos chamá-la de “vida eterna”; uma vida com tal força
e tão sem limites, que nem a morte mesma terá poder sobre ela. A “vida eterna”,
então, não é um prolongamento ao infinito de nossa vida biológica. É a dimensão
inesgotável e decisiva de nossa existência. Ela torna-se “eterna” desde já.
Precisamos adquirir uma
consciência mais profunda da vida do Espírito, perceber as pulsações desta vida
eterna que está em nós, do mesmo modo que, prestando atenção, percebemos as
batidas do coração de toda a criação. Nesse sentido, a vida tem a dimensão do
milagre e até na morte anuncia o início de algo novo; ela carrega no seu interior
o destino da ressurreição. “Minha vida é uma sucessão de milagres interiores”
(Etty Hillesum).
Vida plena prometida por Jesus:
“Eu vim para que tenham a vida e vida em abundância” (Jo 10,10)
Nem sempre sabemos viver de
maneira intensa: conformamo-nos com uma vida estreita, estéril, fechada ao
novo, carregada de “murmurações”, atada com faixas. O dinamismo do Seguimento
de Jesus, no entan-to, é gerar vida, possibilitar que o(a) discípulo(a) viva a
partir da verdade mais profunda de si mesmo; ou seja, viver a partir do
coração, do “ser profundo”.
A imagem de Jesus, presente junto
às vidas feridas e bloqueadas, nos ajuda a conhecer nossa própria interioridade
e desperta nossa vida, arrancando-a de seu fatal “ponto morto”, de seus limites
estreitos e constituindo-a como vida expansiva em direção a novos horizontes.
O seguimento proporciona vigor
inesgotável, nossa vida se destrava e torna-se potencial de inovação criadora,
expressão permanente de liberdade, consciência, amor, arte, alegria,
compaixão.... É vida em movimento, gesto de ir além de nós mesmos; vida
fecunda, potencial humano. Vida com fome e sede de significado, que busca o
sentido... Vida que é encontro, interação, comunhão, solidariedade. Vida que é
seduzida pelo amor, pela ternura. Vida que desperta o olhar para o vasto mundo.
Vida que é voz, é canto, é dança, é festa, é convocação...
“Lázaro” representa a humanidade
ferida e amada, com dimensões de sua vida necrosadas, amarradas, presas nos
sepulcros. Nós mesmos podemos perceber parcelas de nossa vida paralisadas e
atrofiadas.
Mas Lázaro, que está presente em
cada um, não está morto, apenas dorme. As fontes da alegria, as fontes da
criatividade e da confiança, as fontes do agradecimento e das
bem-aventuranças... não estão mortas; estão adormecidas e necessitadas de que
alguém tire os escombros e afaste a pedra que bloqueia o impulso da vida. E
cabe a nós, como seguidores(as) de Jesus, despertá-las com a voz, com os
gestos, com o olhar, com as mãos.
O primeiro passo é remover a
pedra. Quem jaz atrás da pedra está fechado a qualquer tipo de relação.
Quando a pedra é removida, Jesus
ora e diz: “Lázaro, vem para fora!”. Chama seu amigo, e suas palavras de
amizade e amor ressoam dentro da sepultura para levantá-lo, despertá-lo e
insistir para sair por seus próprios pés.
A palavra de amizade de Jesus o
alcança inclusive naquilo que está necrosado em Lázaro.
“Lázaro vem para fora”: “Ele
tinha as mãos e os pés amarrados com faixas e um pano em volta do rosto”. Ainda
não está livre; está preso pelas faixas. Algumas ligaduras podem ser bloqueios
internos, dependências, medos, inseguranças, carências...
Diante do túmulo, Jesus mobiliza
a todos: para ressuscitar a Lázaro pede a uns que afastem a pedra, a outros que
estendam as mãos e desatem as faixas, a outros que o ajudem a pôr-se de pé.
Como podemos crescer em uma
corresponsabilidade que nos faça a todos e cada um extrair o melhor de nós
mesmos para contribuir com a vida, para que entre luz em nossas relações
humanas, para construir entre todos os seus seguidores que caminham, livres das
amarras, ao ritmo do Espírito?
“Lázaro, vem para fora!”. Não é
este o grito diário de Deus em nossas vidas? Este apelo “vem para fora” é para
todos. Todos somos portadores de um sepulcro que nos fecha, nos isola e nos
asfixia, privando-nos de nossa liberdade. É preciso dar asas à vida, soltá-la
em direção à imensidão do universo.
“Lázaro, vem para fora!” Esta
palavra é preciso dizê-la desde agora, com Jesus. Venhamos todos para fora, de
maneira que não vivamos mais de morte, que não permaneçamos na letargia,
envolvidos em sudários e faixas, compactuando com a violência e a injustiça,
dando cobertura àqueles que matam.
Temos de sair de um mundo no
qual, de um modo ou de outro, nos habituamos com a morte e nos sentimos
impotentes: “Senhor, já cheira mal: é o quarto dia”
Cada dia Deus nos tira do
sepulcro e nos devolve a vida sempre enriquecida e iluminada. É um milagre que
cada dia possamos amanhecer com vida. Ninguém vive só de momentos
extraordinários e de grandes festas; o que mais influi em nossas vidas é a
alegria de cada dia, a festa de cada dia, a vida de cada dia, o amor de cada
dia, a esperança de cada dia.
Jesus nos oferece a oportunidade
de deixar-nos amar pelo Deus da vida, que gera vida, proximidade e abertura,
fraternidade profunda e sincera. Podemos fazer isso porque carregamos ricas
potencialidades de vida dentro de nós e que, muitas vezes, permanecem atadas,
impedindo-nos viver a comunhão e a convivência com os outros. Vir para fora do
túmulo significa viver para a vida, na justiça e solidariedade, condenando toda
violência que atrofia a vida.A comunhão de vida com Cristo nos faz ter um “caso
de amor com a vida”.
Texto bíblico: Jo 11,1-45
Para meditar na oração:
“Vem para fora!”, não te feches
em ti mesmo,
- sai de tudo o que há de morte
em tua vida;
- sai de teu individualismo, de
teu orgulho, de tua indiferença!
- sai de tua insensibilidade à
dor dos outros!
- sai da vulga-ridade e
superficialidade de tua vida e vive a elegância da santidade!
Fonte: Ihu
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