Reality show global mostra
exemplo de relacionamento abusivo entre Marcos e Emilly
Quem assiste ao “Big Brother
Brasil” (“BBB”) está acostumado a ver provas do líder e da comida, indicações
ao Paredão, brigas, intrigas e eliminações. Mas, nesta temporada, os fãs do
programa estão recebendo também demonstrações quase diárias de relacionamento
abusivo – aquele que tem agressões verbais e psicológicas – ao acompanharem a
história do casal Marcos e Emilly.
Para especialistas, a agressão
psicológica é a porta de entrada para a violência física. “Para que a violência
física aconteça, a mulher tem que estar muito abatida. Muitas vão abrindo mão
dos seus sonhos, das suas carreiras, do ciclo social, do seu jeito de ser, até
que acreditam que aquele tipo de relacionamento é normal”, diz a psicóloga
Adriana Roque, que trabalha exclusivamente com mulheres.
O que a especialista diz, a
enfermeira Giovana* viveu na pele. “Eu me achava tão lixo que acreditava que aquele
relacionamento era mais do que bom para mim”, lembra. Ela viveu seis anos com
um companheiro que impunha regras como “mulher não fala primeiro que o homem” e
“mulher que gosta de sexo é vagabunda, tem que fazer só para agradar ao
marido”. Ele chegou a ameaçar os amigos dela e a rasgar uma roupa que ela
vestia.
No reality show, Marcos não
chegou a rasgar a roupa da namorada, mas obrigou Emilly a trocar um vestido que
considerou sexy demais. Como ela demorou a buscar outra roupa, o cirurgião
chegou a quebrar o fecho da mala dela, na pressa para encontrar uma roupa “mais
adequada”. Em outras ocasiões, ele deu um “gelo educativo” na garota – uma
espécie de castigo para que ela fizesse uma vontade dele – e colocou o dedo em
riste na cara dela, enquanto gritava durante uma briga.
Não existem estatísticas oficiais
sobre o relacionamento abusivo, mas pesquisa encomendada pelo Fórum Brasileiro
de Segurança Pública e divulgado no último Dia Internacional da Mulher, 8 de
março, estimou em 29% o percentual das que já foram vítimas de agressões
verbais e psicológicas. Cerca de 10% foram ameaçadas de apanhar.
Queria apanhar. A professora
Dulce* não foi ameaçada, mas chegou a desejar que o marido lhe desse um tapa ou
um chute. “Eu precisava de uma ‘justificativa’ para terminar o casamento”, diz
ela, que deixou a carreira, afastou-se dos amigos e da família e engordou muito
para evitar os ciúmes do então marido. “Eu vivia um inferno, mas não contava
para ninguém. Era difícil explicar até para mim o que estava acontecendo porque
ele sempre me convencia de que a culpa era minha, eu que o provocava”, diz.
A psicóloga Ludmila Ciofi, também
especialista em atendimento a mulheres, diz que 50% de suas pacientes já passaram
por algum tipo de relacionamento abusivo. Ela explica que, em geral, a mulher é
convencida de que a culpa é dela, que é ela quem tem que mudar para salvar o
relacionamento. “As mulheres são criadas acreditando que o homem é mais forte,
mais firme, o provedor, o que dá a última palavra. E que elas é que têm que
mudar para agradar. Muitas acham que relacionamento é assim mesmo”, diz.
Até conseguir libertar-se, a
mulher acumula uma série de pequenos sofrimentos diários, que podem se tornar
invisíveis para a sociedade. “As pessoas acham que violência é só bater, o
resto, faz parte do relacionamento”, afirma. Adriana Roque tem a mesma visão.
“Alguém sempre vai colocar em dúvida a palavra da mulher, perguntar se ela não
está exagerando”, diz.
Ela lembra que até os ditados
populares contribuem para que a mulher não busque ajuda para sair de um
relacionamento que faz mal a ela. “‘Em briga de marido e mulher ninguém mete a
colher’ é uma frase muito usada para que fique tudo como está”, diz.
*nomes fictícios
Denúncias
Física. Por hora, 503 mulheres
recebem tapas, socos, chutes e empurrões, segundo pesquisa do Datafolha
divulgada em março. Isso significa 4,4 milhões de brasileiras por ano.
DEPOIMENTO
‘Ele nunca me bateu, mas eu
apanhei na alma e ainda levo as marcas’
“Foram 12 anos entre namoro e
casamento, e até hoje, seis anos depois da separação, ainda me pergunto por que
demorei tanto a me desamarrar de uma verdadeira cruz de sofrimento. Já não era
um namoro tranquilo, e não entendo por que deixei chegar ao casamento. Os
comentários negativos dele em relação a mim eram constantes, desde críticas
sobre meus óculos até sobre a quantidade de bolo que eu comia. Celular jogado
na parede, óculos de grau estraçalhado. Também não gostava que eu falasse para
as pessoas sobre minha profissão, que sempre me encheu de orgulho. Se eu
questionava por que ele chegou tarde em casa, a culpa era minha. Se eu
reclamava pelo tom de voz alterado, a culpa era minha. Se ele batia o carro
enquanto ele mesmo dirigia, a culpa era minha. Por tantas vezes humilhada e
diminuída, confesso que eu cheguei a torcer para descobrir uma traição, algo
que me desse um motivo palpável para acabar com aquilo. E foi exatamente quando
uma amante bateu a minha porta, dizendo que estava grávida, que eu ganhei minha
liberdade. Antes de sentir tristeza, raiva ou decepção, o primeiro sentimento
que veio à tona foi o alívio. Ele nunca me bateu, mas eu apanhei tanto na alma
que ainda hoje carrego as marcas daquele relacionamento. Eu me casei de novo, e
mesmo já muito bem- casada, com uma pessoa completamente diferente, sinto a
cicatriz doer quando penso duas vezes antes de falar o que eu realmente quero,
por medo de não agradar ao outro."
Laila*
Advogada
(*nome fictício)
Fonte: O Tempo
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