Mulher é abusada por ao menos dez menores no Rio, mas caso não
repercutiu como o de maio.
Madrugada do dia 17 de setembro.
Uma mulher de 34 anos bebe uma cerveja com um amigo em um bar em São Gonçalo,
município a uma hora de carro do centro do Rio de Janeiro. Cinco rapazes, todos
menores de idade, chegam ao local e um deles pronuncia a frase que dará início
a uma sessão de agressões e abusos contra a mulher, vendedora de roupas e mãe
de três filhas.
Os adolescentes, suspeitos de
pertencerem ao tráfico de drogas na região, a pegam pelo braço e a obrigam a
entrar no banheiro do estabelecimento. Ela é forçada a fazer sexo oral em ao
menos um deles. O grupo, então, resolve levá-la para uma viela próxima e
obscura e abusa dela de todas as formas possíveis. Um deles quis gravar a cena
com o celular, mas foi impedido por um dos comparsas. "Lembre da confusão
que deu aquela vez", o advertiu, em referência ao estupro coletivo de uma
adolescente em maio que correu como a pólvora ao ser gravado e divulgado nas
redes. A vendedora de roupas, que chegou a contar até dez homens se revezando,
gritou e chorou, até que uma viatura da polícia apareceu.
Os agentes encontraram a vítima
despida e aterrorizada e conseguiram prender em flagrante dois dos adolescentes
envolvidos. A vítima e seus estupradores foram juntos, no mesmo carro, até a
delegacia. Ela chegou a contar ao jornal Extra, que revelou o caso, que um
deles tocou sua perna dentro do veículo e cochichou em seu ouvido em tom
ameaçador: “Fica tranquilinha, vai dar tudo certo”. A Polícia Militar
justificou que a condução se deu em um único carro, “havendo atenção em relação
à vítima”, porque as outras viaturas estavam “empenhadas em ocorrências por se
tratar de área de risco”.
Ao chegar à delegacia, a vítima
relatou o acontecido, mas, ao ler sua declaração depois, sentiu-se constrangida
pelas expressões usadas pelo comissário. “Puxaram seus cabelos, obrigando a
pagar boquete triplo, fizeram anal e vaginal, a colocando de quatro, empurrando
um galho de árvore na sua bunda”, diz o depoimento escrito pelo policial, que
afirmou ter transcrito literalmente as palavras da vítima, sem que houvesse
motivo para o constrangimento. “Nunca procurei a polícia, porque eu tenho muito
medo do tráfico. Queria preservar as minhas filhas. Não queria que isso
chegasse onde chegou. Além disso, não tinha para onde ir. Não é fácil. Durante
o depoimento, fiquei muito desconcertada. Tinha acabado de acontecer tudo
aquilo comigo”, contou a vítima ao Extra. A Corregedoria da Polícia vai apurar
se a conduta do agente que colheu o depoimento merece sanção disciplinar.
Local onde a vítima foi estuprada
por cerca de dez homens. PCRJ
O caso passou à Delegacia
Especializada de Atendimento a Mulher de São Gonçalo e mais quatro adolescentes
foram detidos, acusados de crime análogo ao estupro. Eles reconheceram ter
mantido relações sexuais com a vítima, mas afirmam que foi consentido. “Só
lendo o exame do corpo do delito não há a menor chance de que isso seja
verdade. Ela apanhou muito, tinha marcas pelo corpo todo”, diz a delegada
Debora Rodrigues. A vendedora teve de abandonar sua casa e, provavelmente,
entrará num programa de proteção de vítimas.
Abusos subnotificados
Apesar das semelhanças com o
acontecido em maio - quando o estupro coletivo de uma adolescente divulgado nas
redes sociais deu a volta ao mundo - , a violência contra a vendedora não teve
repercussão nacional. Nem sequer ampla cobertura local. Não houve protestos nem
hastags cobrando justiça. Outros muitos abusos contra mulheres tampouco ganham
uma página nos jornais e podem nem mesmo chegar as já alarmantes estatísticas,
por causa da vergonha ou temor das vítimas e também por causa das falhas de
atendimento. O Estado do Rio foi cenário em 2015 de 4.128 denúncias de estupro,
segundo dados do Instituto de Segurança Pública do Rio. A cada duas horas, uma
mulher é estuprada no Estado.
Essa não foi a primeira vez que a
vendedora sofreu abusos de homens em seu bairro. Um vídeo, feito por um
ex-namorado em 2013, e que alguns dos atuais suspeitos assistiram, mostra a
mulher tendo relações sexuais com cerca de 12 homens. “Ela não lembra de nada.
Pode ter sido drogada”, afirma a delegada, que abriu uma outra investigação
para a apurar o episódio que deixaria a mulher como o espécie de brinquedo dos
criminosos. “Ela está muito debilitada, não tem ideia da violência que sofreu.
Eu perguntei por que não denunciou aquilo em 2013 e ela respondeu: ‘Para que
não acontecesse o que está acontecendo agora, ver minha vida devastada”.
Fonte: El Pais
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