Como gaslighting é um termo usado
há pouco tempo no Brasil, que tem a ver com manipulação, com criar dúvidas na
mente da pessoa alvejada para poder controlá-la. É uma maneira comum de culpar
a vítima. Gaslighting é a tentativa de uma
pessoa de alterar a realidade de outra.
Há chances consideráveis de você
saber mais sobre gaslighting do que a maioria dos terapeutas.
E isso é muito triste porque, se
você já sofreu gaslighting, será muito difícil se libertar da situação sem
ajuda.
Infelizmente, talvez seja
necessário se libertar, e eu quero dizer que você não está sozinha.
Vou compartilhar minha
experiência. Estas são dez coisas que eu gostaria de ter sabido desde o começo.
Vamos fazer isso juntas.
1. Gaslighting não precisa ser algo deliberado
Lá pela quinta vez que eu
telefonei para um grande amigo meu, sem fôlego, perguntando, "Eu sou um
monstro?", ele finalmente disse, "Emma, ele está fazendo gaslighting
com você.”
O que raios é gaslighting? Eu
pensei.
A Wikipedia me disse que a
expressão vem de um filme antigo, em que o personagem principal faz mudanças no
ambiente e insiste para a vítima que ela está apenas imaginando essas mudanças.
Como é que é? Eu pensei. Meu
parceiro não está fazendo isso. Eu não conseguia imaginá-lo tramando e
manipulando meu ambiente ou nossas interações para me fazer de louca. Ele é um
ser humano que está sofrendo, que eu fico fazendo sofrer. Sou eu, não ele.
Infelizmente, a primeira
definição que encontrei não estava correta. Gaslighting não exige uma
elaboração deliberada. Gaslighting implica apenas a crença de que é aceitável
tentar alterar a realidade da outra pessoa.
O resto simplesmente acontece
organicamente quando uma pessoa que tem essa crença se sente ameaçada. Nós
aprendemos a controlar e manipular uns aos outros bastante naturalmente.
O que diferencia alguém que
pratica gaslighting de alguém que não o faz é o paradigma internalizado de
senso de propriedade. E, na minha experiência, identificar esse paradigma é
muito mais fácil do que identificar o gaslighting.
Gaslighting tende a acontecer
quando a intimidação deixa de ser aceitável.
Eu acredito que o gaslighting
está acontecendo, nas esferas cultural e interpessoal, em uma escala sem
precedentes, e isso é resultado de uma estrutura social em que fingimos que
todos são iguais enquanto tentamos, ao mesmo tempo, preservar a desigualdade.
Podemos ver isso na mídia constantemente.
Por exemplo, sempre que um crime
que é obviamente um crime de ódio é retratado como um caso isolado de doença
mental, trata-se de gaslighting. A mídia está dizendo que "O que você sabe
que é verdade não é verdade".
A violência por parte de um
parceiro íntimo não passou a ser vista como um crime sério até os anos 1970. E
nós, nos últimos 40 anos, tratamos das crenças que causam a violência por parte
de parceiros íntimos? Não.
Mas agora, se você é violento com
seu parceiro, você normalmente é considerado uma má pessoa. E o que você faz
com todas as crenças que o levariam à violência, se a violência deixou de ser
uma opção aceitável?
Você usa manipulação, e usa
gaslighting.
2. Manipulação e gaslighting são comportamentos distintos
Talvez seja mais acertado dizer
que gaslighting é um tipo de manipulação, mas não o único tipo.
A manipulação normalmente revolve
em torno de uma ameaça direta ou indireta cujo objetivo é influenciar o
comportamento de outra pessoa. O gaslighting também usa ameaças, mas o objetivo
é mudar quem a pessoa é, não apenas seu comportamento.
É importante reconhecer que
gaslighting e manipulação comum não são a mesma coisa.
Ambos vão minar sua autoestima,
mas o gaslighting, quando eficaz, irá afetar sua confiança em si mesma e sua
noção de realidade.
3. Gaslighting nem sempre envolve raiva ou intimidação
O livro The Gaslight Effect se
refere a um tipo de gaslighting chamado glamor gaslighting.
Ele acontece quando a pessoa
enche você de atenção especial, mas nunca lhe dá o que você realmente precisa.
A pessoa coloca você em um pedestal, mas nunca está presente. Na realidade, ela
pode ficar irritada com você quando você precisa de apoio.
Fica difícil, depois de algum
tempo, identificar por que você se sente tão sozinha e vazia.
Em outro tipo de gaslighting, a
pessoa que pratica o gaslighting sempre é transformada na vítima. Sempre que
menciona um problema, você se pega se desculpando no final da conversa.
Para mim, essas eram as piores
conversas.
Cada relacionamento em que há
gaslighting é diferente, mas, para mim, havia um padrão muito específico. Eu
falava alguma coisa para ele. Ele tinha uma reação emocional muito forte, muito
além do que eu havia previsto. Eu tentava voltar atrás para descobrir o que eu
tinha dito errado e como melhorar a situação.
Ele me acusava de incoerência
quando eu voltava atrás.
Eu tentava explicar que estava
fazendo ajustes para tentar me comunicar melhor com ele porque, claramente, eu
estava falhando.
Ele me dizia que a minha
incoerência dava a entender que eu estava mentindo.
Eu dizia, "Não, não, eu não
estou mentindo. Talvez não esteja me lembrando bem."
"Parece que não posso
confiar na sua memória", ele dizia.
Nós nunca voltávamos à questão
original. Normalmente eu terminava chorando histericamente.
4. É normal não conseguir se lembrar do que aconteceu
Isto, mais do que qualquer coisa,
é algo que eu queria ter sabido na época.
Era um segredo que eu mantinha e
que alimentava meu sentimento de culpa e de dúvida anos depois de tê-lo
deixado. Eu tinha apagões. Lembro de conversas em que eu começava de pé na
cozinha e terminava encolhida no chão.
Dias depois, não conseguia
lembrar o que tinha acontecido no meio tempo. Eu não conseguia lembrar nem qual
tinha sido o tema da conversa. A pessoa que era abusiva contra mim me acusava
de ser abusiva enquanto eu estava com ele -- e depois, publicamente, durante
anos.
É um dos motivos pelos quais o
deixei -- porque não conseguia entender o que eu estava fazendo ou como
consertar as coisas, e não conseguia suportar a ideia de que eu poderia estar
sendo abusiva com alguém. Vasculhei minhas memórias, tentando compreender pelo
que ele tinha passado. O que é que eu tinha feito.
E eu encontrei algumas coisas em
mim que precisavam mudar, como qualquer pessoa que analisar profundamente suas
tendências abusivas vai encontrar. Mas não consegui encontrar, na minha
memória, o que ele via em mim.
Não encontrei a narcisista. Não
encontrei a manipuladora cruel. Não encontrei a destruidora de lares. Mas eu
tinha pontos obscuros na minha memória. Completamente apagados. E me
perguntava, "Foi então que aconteceu? Foi ali que eu fui abusiva?"
Perder partes da sua memória
deixa tudo muito plausível quando alguém lhe diz que não pode confiar na sua
memória. Deixa tudo muito plausível quando a pessoa te diz que você é abusiva.
Mas é normal perder sua memória
quando você está sofrendo gaslighting. Na verdade, é um dos sinais aos quais
você deve estar atenta. É um bom sinal de que pode ser a hora de ir embora.
5. Há fases diferentes (e essas fases podem continuar após o fim do
relacionamento)
Uma pessoa que pratica
gaslighting não só precisa estar certa. Ela precisa que você acredite que ela
está certa.
Na primeira fase, você sabe que a
pessoa está sendo absurda, mas discute assim mesmo.
Vocês discutem por horas, sem
chegar a soluções. Vocês discutem sobre coisas que não deviam estar abertas à
discussão -– seus sentimentos, suas opiniões, sua experiência com relação ao
mundo.
Você discute porque precisa estar
certa, precisa ser compreendida ou precisa da aprovação dele.
Na primeira fase, você acredita
em si mesma, mas ao mesmo tempo, sem querer, se permite discutir essa crença.
Na segunda fase, você considera
primeiro o ponto de vista dele e tenta desesperadamente fazer com ele também
veja o seu.
Você continua discutindo porque
tem medo daquilo que a perspectiva que ele tem de você diz sobre quem você é.
Ganhar a discussão agora tem um
objetivo: provar que você ainda é boa, bondosa, tem valor.
Na terceira fase, quando está
ferida, você se pergunta, "Qual é o problema comigo?"
Você considera o ponto de vista
dele normal. Você começa a perder a capacidade de chegar a suas próprias
conclusões. Você fica exaurida tentando compreender a pessoa e ver sua
perspectiva. Você vive com e fica obcecada por cada crítica, tentando
solucionar seu problema.
Olhando para trás, eu vejo que
estava mergulhada na segunda fase quando saí do relacionamento. No entanto,
continuei tentando ter uma amizade com ele por meses. Eu procurava resolução,
compreensão e perdão.
Por fim, quando passei a não ter
nenhum contato, em vez de me curar, eu passei para a terceira fase. Eu não
entendia, nem sabia como parar, o gaslighting que eu estava fazendo comigo
mesma depois do fim do relacionamento.
Se eu pudesse voltar e me dar um
conselho, ele seria não ter contato imediatamente por pelo menos um ano. E
talvez seja isso que outras pessoas também precisem fazer.
É muito, muito difícil. É difícil
porque ainda pode parecer que a compreensão e a resolução estão logo ali, num
futuro próximo. É difícil abrir mão disso.
Mas pense: você não precisa,
ainda. Comprometa-se apenas com um ano. Porque ninguém que não é abusivo irá
punir você pelo espaço de que você precisa para se sentir curada.
E quando digo "sem
contato", quero dizer sem nenhum tipo de contato. Distancie-se dos amigos
em comum. Bloqueie a pessoa nas mídias sociais. Peça que seus amigos não lhe
deem informações sobre a pessoa a menos que as informações estejam relacionadas
diretamente à sua segurança.
Mande para o inferno qualquer
pessoa que disser que você está sendo irracional.
Você precisa disso para se curar,
e precisa do espaço para parar de fazer gaslighting consigo mesma.
6. Há traços distintos que tornam você mais suscetível a sofrer
gaslighting, mas eles também podem ser superpoderes
Há três tendências que podem
colocar você em uma relação em que há gaslighting. Essas tendências são a
necessidade de estar certa, a necessidade de ser compreendida e a necessidade
de aprovação.
Além disso, alguns traços -– como
ter empatia, querer cuidar das pessoas, precisar ver seu parceiro de maneira
positiva e ser alguém que quer agradar as pessoas -– podem fazer de você alguém
mais suscetível.
Mas eu peço que você não tente
sufocar essas características, que são maravilhosas.
Você se importa muito com as suas
ideias e com as outras pessoas. Você quer compreender e ser compreendida. Você
se importa com o efeito que tem sobre outras pessoas e está disposta a mudar
para acomodar as pessoas que estão ao seu redor.
E, ironicamente, a pessoa que fez
gaslighting com você lhe disse que você é egoísta, cruel e negligente. E,
depois, seu terapeuta disse que você precisa parar de se importar tanto porque
isso a leva a relações abusivas. O que fazer?
Empatia é importante. É
importante para todos nós. Eu fico muito irritada quando as pessoas dizem que
minha empatia é uma fraqueza. Minha empatia é um superpoder. Meu desejo e
capacidade de ter empatia me mantiveram em um ciclo de abuso, sim. Mas meu
desejo de ter empatia não foi o problema.
A capacidade de ouvir críticas e
mudar a si mesma para melhorar com base em um feedback também é um puta
superpoder. Não deixe ninguém lhe dizer o contrário. Meu problema não foi minha
disposição para mudar, e sim minha disposição para mudar pelos motivos errados.
Mudanças devem fazer de você uma
pessoa maior. Devem aumentar sua carga de autoestima. Devem fazer de você uma
pessoa mais forte, mais clara, mais direcionada, mais diferenciada e mais
compassiva.
As dores do crescimento são
diferentes das dores da destruição. O crescimento vai encher você de amor e
orgulho, mesmo quando é difícil, a destruição vai encher você de vergonha e
medo.
Ninguém pode usar vergonha ou
medo para obrigar você a mudar. Quando fazem isso com você, as pessoas não
estão pedindo mudanças, estão pedindo controle.
7. Você sabe qual é a sua verdade -- sempre soube e sempre vai saber
A pessoa que faz gaslighting não
enxerga você.
Você é uma sombra parada no
canto, tentando não atrair atenção, enquanto ela enche a imagem que tem de você
com amor e atenção. E não importa o quanto a sua imagem esteja confusa, você
sabe que isso é verdade.
Você sabe qual é o espaço que
ocupa, mesmo que odeie a si mesma por isso. Se olhar para trás, e se olhar para
o interior, você vai ver que sempre soube que algo estava errado.
Pode parecer que você perdeu sua
essência. Mas ela sempre esteve lá.
O sistema de alarme sempre
funcionou. Você apenas aprendeu a parar de ouvi-lo. Você não perdeu tanto
quanto acha que perdeu.
8. O final não deve ser um confronto, é um não envolvimento
Algo muito comum que eu vejo no
cinema e a literatura é o sobrevivente que confronta o agressor. Ele o
confronta anos depois, e nesse momento mostra a si mesmo e ao agressor que não
precisa mais ter medo.
Eu busco essa catarse, por que eu
tenho medo. Mas nunca poderei lidar com esse medo por meio de um confronto. Só
posso lidar com ele por meio da confiança em minha capacidade de definir e
aplicar meus próprios limites.
Quando se envolve de qualquer
maneira, você diz ao seu agressor e a si mesma que sua realidade é passível de
ser debatida.
Sua realidade não é passível de
debate.
Se for como eu, você já teve um
milhão de conversas em sua cabeça, e essas conversas são o que está te matando.
Sua realidade não é passível de debate. Você não precisa ficar ensaiando uma
conversa que nunca vai acontecer.
É ridículo quando alguém tenta
lhe dizer quem você é, o que você sente, o que pensa, o que pretendia ou pelo
que passou. Quando isso acontece, você pode ficar irritada, confusa ou até
mesmo preocupada com a pessoa.
Você pode parar, perplexa, e
perguntar, "O que levaria você a acreditar que pode saber o que se passa
dentro de mim? Você está bem?"
Em vez disso, muitas de nós nos
pegamos tentando chegar a um ponto pacífico.
Não, não é isso o que aconteceu,
eu não me senti assim, eu não me sinto assim!
E esta é uma resposta razoável --
até certo ponto. Mas se o objetivo da conversa for um intercâmbio de poder, e
não um intercâmbio de compreensão, você nunca, jamais, vai ganhar.
Eu gostaria de propor que uma
solução para se sentir menos suscetível a sofrer gaslighting é aprender a
identificar qual é o objetivo de uma conversa.
Uma conversa com um objetivo de
compreensão mútua não deve fazer você se sentir com medo, envergonhada,
desorientada ou confusa.
Você não precisa desvendar o que
a pessoa está fazendo, só precisa entender como está se sentindo. Você só
precisa saber identificar quando a compreensão mútua deixar de ser o objetivo,
e aprender a parar de se envolver quando isso acontecer.
Tente:
· “Vamos ter que concordar em
discordar.”
· “Eu não gosto de como estou me
sentindo agora e prefiro terminar essa conversa depois (ou nunca).”
· “O quê?”
· “Você está tentando me dizer
qual é a minha experiência, e eu não quero isso.”
· “Não me procure mais.”
“Comunicar, comunicar,
comunicar”, certo? “Pode-se resolver qualquer coisa com comunicação
suficiente.”
Pode ser um mantra, mas está
errado.
É possível resolver muitas coisas
com comunicação, desde que o objetivo das duas pessoas seja a compreensão. Mas
no momento em que alguém tenta substituir sua experiência, é hora de parar de
se comunicar, pelo menos sobre o assunto em questão.
9. É necessário confrontar a ameaça
Cada interação em que há
gaslighting acontece sob algum tipo de ameaça. No meu relacionamento, a
primeira ameaça era a reprovação, depois a relação é que ficou ameaçada e, por
fim, a ameaça passou a ser sobre a vida dele.
Eu não consegui confrontar ou
resistir ao gaslighting até que, um por um, confrontei os medos que essas
ameaças me causavam.
Eu sofri. Passei uma semana na
cama e chorei por tudo o que eu havia dedicado à relação. Uma a uma, tentei
romper internamente as amarras que me prendiam às coisas que me faziam sentir
presa.
Chorei pela imensa vergonha que
senti e tentei criar a força necessária para suportar. Primeiro sofri pela
família da qual queria tanto fazer parte. Depois, sofri pela minha relação com
ele. Por fim, questionei se era justo ele me fazer sentir responsável pela vida
dele. E não foi fácil.
Passaram-se mais seis meses até
que o relacionamento acabou. Mas quando eu me dei conta de que não queria mais
estar naquele relacionamento, eu já havia confrontado internamente as ameaças
que esperavam por mim -- e conforme elas vieram à tona, uma a uma, com força
total, eu pus um pé na frente do outro fui embora.
10. Gaslighting pode ser amplificado em famílias, relações não
monogâmicas e outros grupos
É difícil ficar firme quando uma
pessoa está tentando substituir sua experiência, mas quando a pessoa tem um
coro de apoiadores, é quase impossível. Há um motivo pelo qual o abuso
perpetrado em cultos pode levar à destruição completa da personalidade de alguém.
A manipulação e o abuso em grupo
têm uma eficácia devastadora.
Não consigo explicar de maneira
simples o nível de vergonha e medo que um grupo no qual você está profundamente
inserido consegue produzir por meio de um ataque organizado. Precisamos ser
muito cuidadosos quando fazemos parte desses grupos para não explorarmos esse
poder ou, inadvertidamente, facilitarmos o abuso.
Eu sei que há muita vergonha
envolvida no fim de um relacionamento, e ninguém quer ser a pessoa ruim. Mas
todos nós devemos uns aos outros não tomarmos parte em relacionamentos nos
quais a autoestima de qualquer pessoa seja minada.
Não importa de quem é a culpa, e
não importa se é justo ou não. Há coisas mais importantes em jogo. Não devemos
punir uns aos outros por fazermos as coisas que precisamos fazer para sermos
saudáveis.
Fonte: http://escrevalolaescreva.blogspot.com.br/
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