Por Leonardo Sakamoto
Um amigo jornalista acaba de me escrever. Preocupadíssimo,
relata um drama que deve se repetir em muitos lares pelo Brasil:
Saka, o Natal na minha família sempre foi um cenário e
terror e desolação, com tios e tias sugerindo “exterminar mendigos'',
“trancafiar drogados'' e “proibir gays de se beijarem em público''. Nem bem a
prece em agradecimento pela ceia esfria e eles começam o festival de besteiras,
confundindo as datas e crucificando Jesus ao invés de celebrar seu nascimento.
Eles já suspiravam com a volta da ditadura muito antes dos malucos que pedem
intervenção militar resolverem sair da casinha. Como os ânimos se exaltaram,
estou com medo de pisar na casa da minha avó para a ceia. O que fazer?
Meu caro, há alguns cenários possíveis. Nenhum deles é
perfeito e a escolha depende da quantidade de amor que você tiver para gastar –
lembrando, é claro, que essa commodity anda em falta no mercado. E desconfio
que é por isso que as pessoas se preocupam tanto com presentes – o essencial é
gratuito e dinheiro não compra.
A melhor sugestão é tatear o terreno com antecedência.
Muitas famílias têm grupos de WhatsApp, que são ótimos termômetros do humor
coletivo. Outra alternativa é perguntar para os avós – eles sempre sabem das
coisas.
Se diante da sondagem lhe vier à mente a sabedoria de Carga
Pesada (“É uma cilada, Bino!''), opte por uma das alternativas abaixo:
Sugestão 1: Invente uma viagem. Invente uma doença. Invente
um plantão – ou não invente, apenas aceite-o, pois é muito mais legal folgar no
Ano Novo do que no Natal. Invente um jantar na casa da namorada. E, para isso,
invente a namorada que eu sei que você não tem.
Sugestão 2: Permaneça calado ao longo da ceia. Não faça
nenhum comentário mesmo diante das maiores aberrações. No final, abrace forte
cada tio e tia, em silêncio, por um tempo diretamente proporcional à quantidade
de sandices que cada um disse. Dê um beijo no rosto deles e vá comer gemada.
Sugestão 3: Diga que, por consciência, votou no Levy
Fidelix. E justifique seu voto. Pronto, o foco da discussão passa a ser você.
Mas, pelo menos, é você quem controla a conversa e não o bando de loucos.
Sugestão 4: Concorde com eles e vá além. Defenda uma faxina
étnico-racial. Elogie grupos de extermínio. Diga que é necessário rever o
direito ao voto das mulheres. Se conseguir, ataque a Lei Áurea. Se disserem que
você está exagerando, chame-os de fracos e comunistas. Ah, isso só funciona se
você não rir.
Se tudo falhar, sorria. O Natal passa rápido. E, afinal,
famiglia é famiglia.
Fonte: Blog de Sakamoto
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