segunda-feira, 17 de novembro de 2014

O mundo das senhoras de programa, sem dramas ou tragédias

Há cerca de dois anos, enquanto passeava pela praça Tiradentes, no centro do Rio de Janeiro, o fotógrafo Roberto Abreu experimentou uma sensação semelhante à que teve quando criança, na cidade de Muriaé, na Zona da Mata de Minas Gerais. “Eu tenho uma memória da minha infância, nas décadas de 60 e 70, em que a cidade tinha muitos prostíbulos, como muitas do interior, e eu tinha um certo encantamento com esses lugares proibidos. E muitos anos depois me deparei com situação parecida, bem no centro do Rio de Janeiro”.


A partir deste “insight”, Abreu começou a fotografar algumas garotas de programa da região, sem saber que o resultado viria a ser um fotolivro, de 160 páginas, apresentado em uma mostra no espaço cultural Ateliê da Imagem, no bairro da Urca, ontem à noite. Conversando e convivendo com 20 mulheres neste período, o contato requereu cuidados, e nem sempre resultou em imagens.

Ao final, o conteúdo reuniu seis delas, algumas com idade entre 30 e 40 anos, e outras com mais de 60, revelando um ambiente pouco conhecido, que foge da marginalidade associada à profissão. “Elas são super cabreiras na abordagem inicial, então tive que ter uma aproximação muito cuidadosa, até ganhar a confiança delas. Existe uma máxima na fotografia que todo retrato é um autorretrato, um retrato seu sobre o fato. Então, mais do que consentimento delas, precisei transmitir cumplicidade, inclusive bebi cerveja com elas”, lembra o artista.

“Em nenhum momento eu quis passar um olhar de piedade, elas não estão lá porque foram excluídas da sociedade. Durante todo esse processo eu não ouvi nenhuma história trágica, de abuso, violência ou estupro, todas começaram com isso tendo outro trabalho. Então eu tento transmitir a imagem como uma profissão qualquer”.

Até por isso, uma das personagens mais marcantes durante o processo não figura no trabalho final de Roberto Abreu. “Eu queria muito fotografar uma senhora, muito simpática e risonha, mas ela não topou participar porque trabalha na casa de uma família há 30 anos, tem a própria família e independência financeira, não dependia disso pra sobreviver, mas contou que é uma profissional do sexo por prazer”.

Para conseguir passar tudo isso nas fotografias, ele contou com um aliado: o ambiente. “Todas as fotos foram tiradas no hotel onde elas trabalham. E este hotel, em algum período entre os anos 2000 e 2005, foi todo grafitado. É até engraçado porque é um hotel meio decadente, mas lindo, com paredes que exalam sensualidade.”

O nome. Foi justamente este cenário que consolidou o título do fotolivro. “Eu tinha acabado de fotografar uma das garotas, ela estava se levantando e se vestindo quando vi um grafite escrito ‘Confere com o original” bem ao lado das pernas dela. Nesse momento, eu pedi para ela parar, tirei uma foto e, ao mesmo tempo, encontrei o título pro trabalho, porque acho que tem tudo a ver com a proposta”.

Fonte: O Tempo

Nenhum comentário: