“A violência sexual ainda é a mais encoberta e é mais
difícil uma mulher denunciá-la”, constata a socióloga Jacqueline Pitanguy . “Quando
temos um número crescente de registros de violência, não necessariamente é
porque a violência está aumentando; tem de se considerar também que é porque as
mulheres estão registrando, estão rompendo aquele muro de silêncio”.
Na entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line por
telefone, ela enfatiza os limites das estatísticas que registram casos de
violência contra a mulher, e assinala a necessidade de haver pesquisas
nacionais recorrentes, que permitam comparações de casos e a elaboração de um
panorama sobre a violência contra as mulheres, já que “estatísticas nacionais,
com séries históricas, não existem”. Segundo a socióloga, “esse é um dos
elementos que vem sendo aprimorado e que precisa ser aperfeiçoado porque
demonstra, a importância que é atribuída pela sociedade a essa questão. Quando se tem
boas estatísticas, como acontece em casos de homicídio, por exemplo, isso
significa que o homicídio é uma questão que precisa ser registrada e
quantificada. Mas existem poucas estatísticas sobre a violência contra as
mulheres”.
Jacqueline Pitanguy enfatiza que a violência contra a mulher
ainda é “invisível” sob certos aspectos, e expõe a mulher a uma situação de
dupla vulnerabilidade. Apesar das dificuldades, ela informa que nas comunidades
pacificadas pelas Unidades de Polícia Pacificadora – UPPs tem aumentado o
número de registros de mulheres agredidas. “Quando as comunidades não eram
pacificadas, era praticamente impossível para uma mulher recorrer à polícia num
ambiente de violência, pois como ela iria chamar a polícia e colocá-la dentro
de uma comunidade dominada por uma facção ou um grupo? Num ambiente de extrema
violência — quase uma faixa de Gaza —, a questão da violência doméstica não
tinha espaço.
Mas em geral trata-se de um tipo de violência invisível, e a
mulher estava duplamente vulnerável pelo fato de que a violência ocorre no
ambiente familiar, intramuros, e pelo fato de que romper aquela porta e se
dirigir à polícia era impossível. Hoje, com as UPPs, tem havido um aumento de
registros de violência nessas comunidades”.
A socióloga enfatiza ainda que, apesar de a Lei Maria da
Penha ser amplamente conhecida e ter “vindo para ficar”, constatam-se
dificuldades de “ordem estrutural na implementação da lei que perpassa o
Sistema Judiciário e o Sistema de Segurança do Brasil: a falta de
infraestrutura, a morosidade, o acúmulo de processos, etc., os quais se veem
ainda mais acentuados em nível da implementação da Lei Maria da Penha. Para
ela, essas são consequências da “desvalorização da mulher na sociedade”, a qual
“se atualiza na prática, fazendo com que as violência por ela sofridas tenham
menos espaço nas instancias policiais e de justiça”.
Jacqueline Pitanguy é socióloga e ex-professora da
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro - PUC-Rio e da Universidade
de Rutgers, New Jersey, EUA. Foi presidente do Conselho Nacional dos Direitos
da Mulher – CNDM e em 1990 fundou a CEPIA - Cidadania, Estudos, Informação e
Ação, uma organização não governamental com sede no Rio de Janeiro, da qual é
coordenadora executiva. Integra na qualidade de notório conhecimento, o
Conselho Nacional dos Direitos da Mulher.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Num espectro de pessoas que sofrem violência,
como é possível situar a violência contra a mulher, considerando as
estatísticas levantadas ano a ano?
Jacqueline Pitanguy – Existem dados estatísticos que são
atualizados constantemente, e a Secretaria Pública do Rio de Janeiro publica,
anualmente, um Dossiê Mulher, o qual é, talvez, o mais interessante documento
disponível para se consultar em nível de estatísticas, porque permite na
analises de séries histórica e permite fazer estudos comparativos.
Lamentavelmente, estatísticas nacionais, com séries históricas, não existem. A
pergunta toca, justamente, num ponto fundamental, que é a ausência de
estatísticas comparativas nacionais,esse é um dos elementos que vem sendo
aprimorado e que precisa ser aperfeiçoado porque demonstra, a importância que é
atribuída pela sociedade a essa questão.
Quando se tem boas estatísticas, claras, como de homicídio,
por exemplo, isso significa que o homicídio é uma questão que precisa ser
registrada e quantificada. Mas existem poucas estatísticas sobre a violência
contra as mulheres. O que se tem são alguns dados de, por exemplo, a cada “x”
tempo uma mulher é agredida no Brasil.
Mas as estatísticas devem ser mais completas, assinalar qual
é o tipo de agressão, se foi cometida com um elemento do tipo faca, revólver,
soco, etc. O Brasil, apesar de estar melhorando, ainda carece de estatísticas
que sejam nacionais, comparativas e que permitam, então, uma série histórica
para analisar tendências nacionais comparativas e que permitam análises de
séries históricas para estudar tendências.
Por outro lado, existem as estatísticas que permitem um
olhar sobre o momento, e uma das que me impressionou muito foi a referente ao
número de estupros, que era maior do que o número de homicídios dolosos. Essa
estatística era comparada entre vários estados e os dados eram estranhos
porque, por exemplo, em Rondônia as taxas de estupro eram semelhantes às de
Santa Catarina o que eliminava uma série
de elementos que poderiam ser fatores ou variáveis intervenientes, como
peculiaridades de cada estadoEsses dados pareciam indicar que , no caso do
estupro, essa forma de violência não
respondia a características contextuaIs.
Uma questão que deve se considerar no fenômeno da violência
contra a mulher são os agravantes ou seja, o fato de as mulheres serem
agredidas no âmbito familiar e dentro de relações de afeto e proteção —
onde a vítima está mais desarmada e
vulnerável —, e o fato de ser uma violência de repetição. Essas duas
características dão uma especificidade a esse tipo de violência: o ambiente em
que ela acontece é aquele em que supostamente seria o ambiente da proteção, do
acolhimento. E na medida em que vitima e agressor convivem, a agressão se
repete.
IHU On-Line - O que dificulta a formulação de estatísticas?
É o fato de as mulheres terem dificuldades de denunciarem casos de violência ou
de não haver um acompanhamento institucional desses casos?
Jacqueline Pitanguy – São todos esses fatores. Da parte da
vítima há uma dificuldade muito grande, e isso já está muito estudado e
analisado. Há uma dificuldade de ela perceber-se como vítima, de perceber
aquele homem como agressor, justamente porque a relação que ela vive com aquela
pessoa é uma relação, supostamente, de afetividade, uma relação sexual, existem
filhos envolvidos, e ela tem uma tendência a achar que, de alguma forma, merece
a violência por conta de algo que fez de errado — e aí vem a questão da baixa
estima da mulher —, ou então que isso vai acabar, porque foi só um momento.
Associado a isso, ela tem vergonha de dizer que o casamento é um inferno, que a
vida afetiva é um fracasso e, além disso, existem os filhos, os quais frequentemente
a enredam, porque pode haver um agressor que é bom pai. Então, existe uma série
de fatores de ordem emocional, psicológica, que colaboram para que a mulher
fique muitos anos nessa situação violenta.
Outro fator historicamente demonstrado é a ausência de
espaços institucionais em que ela possa registrar essa violência. A Delegacia
Especializada de Atendimento à Mulher – DEAM foi criada porque, para a
segurança pública, a violência — a não ser o homicídio — praticamente não era
considerada crime. Então, tem-se aí um caminho político que foi percorrido
pelas mulheres e que levou ao fato de termos 500 delegacias especializadas e um
número crescente de registros de violência. É neste ponto que gostaria de
chamar a atenção: quando temos um número crescente de registros de violência,
não necessariamente é porque a violência está aumentando; tem de se considerar
também que é porque as mulheres estão registrando, estão rompendo aquele muro
de silêncio. Costumo dizer que crime e castigo são construções históricas , e o
próprio conceito do que é violento numa sociedade é datado ; não necessariamente
se justapõe o exercício da violência com
a u criminalização daquele comportamento violento e com a sua punição. Há
alguns espaços aí. Um exemplo claro em todas as sociedades é o homicídio, ou
seja, tirar a vida de alguém é uma forma de violência. Contudo, há situações —
como no caso Brasil até recentemente — em que, sob certas circunstâncias, essa
violência não é punida.Como por exemplo, quando o marido mata a mulher, se
instaura o inquérito, a ação é criminalizada, ele vai a julgamento e é absolvido
ou recebe uma pena mínima de dois anos com o argumento de legitima defesa da
honra . Aí se tem uma situação em que, efetivamente, o exercício de um
comportamento violento é aceito pelo Judiciário com esse argumento, geralmente
associado aos chamados crimes passionais e que leva a que a vítima se
transforme em réu.
Contudo, há situações — como no caso Brasil até recentemente
— em que, sob certas circunstâncias, a pessoa que cometeu esse crime, por
exemplo, quando o marido mata a mulher, se instaura o inquérito, a ação é
criminalizada, ele vai a julgamento e é absolvido ou recebe uma pena mínima de
dois anos. Aí se tem uma situação em que, efetivamente, o exercício de um
comportamento violento é aceito pelo Judiciário com o argumento da legítima
defesa e da honra.
Então, nesse espaço entre o que a sociedade percebe como
violento, muitas vezes a vítima é transformada em réu. Nesse caminho entre o
ato violento, a sua criminalização e a punição, temos um trabalho político do
movimento de mulheres, primeiro — na década de 1970 —, em tornar essa violência
visível aos olhos da sociedade e da mulher, segundo, em caracterizar essa
violência como um crime e, terceiro, em puni-lo. De lá para cá avançamos muito.
Apesar de ainda se utilizar o argumento da honra, isso vem perdendo peso nos
tribunais e as mulheres vêm denunciando os casos de violência.
IHU On-Line - A senhora chama atenção para a questão da
violência no ambiente doméstico. Entretanto, considerando o caso recente de
três mulheres que foram estupradas por PMs numa favela no Rio de Janeiro, o que
se pode dizer sobre a violência institucional? Ainda referente a essa questão,
é possível traçar uma comparação de situações de violência em locais mais
vulneráveis, como as favelas, e outros ambientes?
Jacqueline Pitanguy – Esse caso dos PMs é o que se denomina
de violência institucional, ou seja, o exercício da violência por parte do
agente da lei, que além do mais é armado, e que é de uma perversidade enorme,
porque sua função explícita é proteger a vítima. Então, é um tipo de violência
que, pela circunstância em que acontece, adquire uma conotação de gravidade
enorme. Por outro lado, fazendo uma leitura positiva, há dois elementos: essas
mulheres, mesmo em condições difíceis, denunciaram a violência, a denúncia foi
acolhida e eles foram presos; e é muito provável que essa denúncia não fosse
feita em outros tempos históricos.
Ainda há alguns estudos demonstrando que, quando as
comunidades não eram pacificadas, era praticamente impossível para uma mulher
recorrer à polícia num ambiente de violência, pois como ela iria chamar a
polícia e colocá-la dentro de uma comunidade dominada por uma facção do trafego
de drogas? Num ambiente de extrema violência — quase uma faixa de Gaza —, a
questão da violência doméstica não tinha espaço. Se , de modo geral a violência doméstica é pouco visível, nessas
comunidades a mulher estava duplamente vulnerável pelo fato de que a violência
ocorre no ambiente familiar, intramuros, e pelo fato de que romper aquela porta
e se dirigir à polícia era impossível. Hoje, com as Unidades de Polícia
Pacificadora - UPPs, tem havido um aumento de registros de violência nessas
comunidades. Então, isso mostra claramente como é fundamental um ambiente
externo que garanta a livre circulação sem medo das pessoas, para que isso
possa acontecer. Entretanto, ainda há um longo caminho no sentido de levar
essas mulheres a perceberem que comportamentos tais como agressões verbais,
agressões psicológicas, são fatores de violência.
IHU On-Line - Quais são as razões de o número de estupros
estar crescendo no Rio de Janeiro desde 2008? É possível vislumbrar qual é a
causa?
Jacqueline Pitanguy – Eu não sei se está aumentando o número
de estupros ou o número de registros. Sei que em comunidades em que têm UPPs,
tem aumentado o número de registros, mas como não havia registros antes, não há
como saber.
“Muitas vezes a vítima é transformada em réu”
IHU On-Line - Quais são os tipos de violência mais
frequentes cometidos contra as mulheres? E quais casos são mais denunciados?
Jacqueline Pitanguy – Agressão, mesmo porque a violência
sexual ainda é a mais encoberta e é mais difícil uma mulher denunciá-la, ainda
mais quando é criança, porque não há como romper o muro.
IHU On-Line - Quais são as maiores dificuldades enfrentadas
pelas mulheres vítimas de violência de denunciar os agressores? A senhora mencionou
a vergonha. Quais são as demais razões?
Jacqueline Pitanguy – São muitos os fatores, porque
inclusive os sentimentos humanos são muito complexos, não é “pão, pão, queijo,
queijo”. Então, muitas mulheres ainda se sentem apegadas àquele homem, acham que
ele vai melhorar, como elas dizem, muitas também são dependentes em termos de
sustento da família, dependentes emocionalmente, e outras se sentem melhor no
mundo por serem casadas. Existem muitos fatores que corroboram para essas
decisões. Um é de ordem geral, como a dependência ou codependência, e o outro é
com relação à conformação da ideia do feminino que ainda — apesar de estar
mudando —, é muito relacionada a uma ideia de submissão, de tolerância, de
aceitação em relação à identidade masculina. Ainda se educam meninos e meninas
de maneiras muito diferentes: as meninas mais para a aceitação, e os meninos
mais para a agressão. Não é que se deseja que as meninas sejam educadas para a
agressão, mas que sejam educadas de forma a terem autoestima que permita que
elas tenham, na sua trajetória existencial, uma igualdade em vários setores, no
trabalho, na família, ou seja, que ela caminhe pela vida como um ser pleno de
direitos e responsabilidades, e não que caminhe com um passo de subalternidade.
Essa realidade ainda existe nos ensinamentos dentro de casa e nos livros
escolares. E o comportamento masculino se forja por uma base de violência muito
grande.
IHU On-Line – Você tem informações de casos de mulheres que
não interrompem a gravidez em casos de estupros e têm filhos? Essa situação é
comum?
Jacqueline Pitanguy – Não sei dizer se é comum ou não; não
posso falar em termos de casos. Agora, o que posso dizer é que há uma falha
institucional em dar acolhimento para essas mulheres em todo o país. Em toda a
cidade do Rio de Janeiro, nós só temos um hospital que efetivamente realiza a
interrupção da gravidez. Então, em primeiro lugar, muitas vão levar a gravidez
adiante não porque optaram, mas porque ou não sabem que têm o direito de
abortar, ou é tão complicado exercê-lo — porque exigem Instituto Médico Legal e
afins, porque às vezes se suspeita que ela não esteja grávida por conta de um
estupro —, que desistem. Assim, em um momento de horror e extrema fragilidade,
a mulher pode desistir de abortar e não tem acesso imediato à pílula do dia
seguinte, etc.
Agora, no caso de uma mulher que tem acesso a serviços
privados e decide levar a gravidez adiante, não sei realmente dizer o que
acontece na cabeça daquela mulher de trazer no corpo dela a marca do agressor.
Teríamos de avaliar caso a caso, de repente é uma mulher que nunca engravidou e
que sempre teve vontade de ter filhos, de repente é uma mulher extremamente
religiosa, etc.
IHU On-Line - Qual tem sido a eficiência da Lei Maria da
Penha em relação à agressão de mulheres? Existe um acompanhamento psicológico
posterior para as vítimas?
Jacqueline Pitanguy – Nós acabamos de fazer na Cepia um
estudo sobre a implementação da lei Maria da Penha em cinco capitais. Esse
estudo trata desde a perspectiva do agente de Justiça, ou do que chamamos de
operador de Justiça e de segurança, a partir de uma pesquisa das DEAMs e dos
juizados, porque a lei cria juizados especiais. Essa pesquisa aponta questões
de ordem estrutural na implementação da lei que perpassa o Sistema Judiciário e
o Sistema de Segurança do Brasil: a falta de infraestrutura, a morosidade, o
acúmulo de processos, etc., os quais se vêem ainda mais acentuados em nível da
implementação da Lei Maria da Penha. Então nós esbarramos novamente no que
estamos conversando desde o início, que é a questão da desvalorização como um
todo da mulher na sociedade, que ainda persiste no imaginário dos agentes
desses sistemas, e como isso se verifica na prática, fazendo com que essas
DEAMs tenham menos espaço na importância policial, recebam menos recursos, além
de haver mais dificuldades, para as delegadas lotadas, em ascenderem na
carreira, sendo, portanto, um lugar menos cobiçado, menos interessante em nível
de carreira policial.
Os juizados criados pela lei Maria da Penha ainda sofrem de
uma série de restrições, tanto em nível orçamentário quanto em nível do pessoal
lotado. Acúmulo de que já eram mais ou menos tradicionais quando se criaram as
DEAMs, persistem e perpassam também o Sistema Judiciário. Agora, além disso,
ainda há certo desconhecimento de operadores da Justiça — não estou
generalizando —, mas ainda existe certo desconhecimento quanto à Lei Maria da
Penha, por exemplo, de que a lei se aplica mesmo não havendo a coabitação.
Também ainda se encontram juízes que tentam a conciliação, porque antes, com a
Lei nº 9.099, nós tínhamos o Juizado de Pequenas Causas que trabalhava
fundamentalmente a partir da conciliação, colocando a vítima e o agressor
juntos para se conciliarem. Então, ainda temos os problemas que são gerais,
regulares do nosso Sistema de Segurança e do nosso Sistema de Justiça,
acrescidos em alguns casos de certo desconhecimento da lei e também de
preconceitos que ainda persistem no operador de segurança e no operador de
Justiça.
Isso posto, nós encontramos na pesquisa aqueles e aquelas
que, ao contrário, abraçam a lei e, mesmo enfrentando dificuldades, tentam
aplicá-la da melhor forma possível porque acreditam nela. Na realidade, outro
aspecto positivo é que todos conhecem a Lei Maria da Penha, ela é aquela lei
que pegou, as pessoas conhecem a lei apesar de o operador de Justiça e de
segurança não conhecê-la na especificidade do detalhe que deveria. Então, há
muito ainda para avançar no aprimoramento, mas a lei é boa, é bastante completa
e veio para ficar.
IHU On-Line - Existem pesquisas de como é a vida dessas
mulheres anos depois de serem agredidas de algum modo? Elas conseguem
reconstruir a vida?
Jacqueline Pitanguy – Particularmente não tenho
conhecimento. Seria preciso fazer um estudo de caso, para ver, inclusive, caso
a caso. Entretanto, trabalhamos muito com intervenção social em comunidades de
baixa renda e, sobretudo, em comunidades que têm UPPs. Nesses ambientes
desenvolvemos oficinas com um método participativo muito interessante, e nessas
oficinas vai surgindo a questão da violência como um monstro que vai chegando
aos poucos até desenhar-se: é uma pontinha aqui, uma pessoa que fala outra
coisa ali, e de repente você tem a história completa de mulheres que desde o
início do casamento, ou a partir do segundo ou terceiro ano, começaram a ser
agredidas, e do tempo que elas demoraram — às vezes 13 anos, às vezes oito
anos, às vezes cinco anos — para sair dessa situação, e do alívio depois da
denúncia. São mulheres muito guerreiras, porque muitas vezes, já dentro da
relação, eram elas os principais sustentáculos daquela família, daquele lar. O
salário dessas mulheres, inclusive, vai todo direto para a família — para
comprar roupa para o filho, comida, etc. Isso já está comprovado
estatisticamente; o próprio Fundo das Nações Unidas para a Infância - UNICEF
diz que um dólar que a mulher ganha é revertido para a família, e um dólar que
o homem ganha não é necessariamente revertido para a família. Então, são mulheres
que, do ponto de vista objetivo, já sustentavam seus lares, eram o sustentáculo
emocional dos filhos, mas sentiam-se absolutamente vulneráveis em romper.
Fonte: Ihu
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