Casos de “cyber vingança” ou “pornô vingança” devem ser
tratados como crimes de violência contra
a mulher e podem ser amparados nos preceitos da Lei Maria da Penha.
Queixas sobre a prática conhecida como “cyber vingança” ou
“pornô de vingança” – o compartilhamento pela internet de fotos e vídeos
íntimos com o propósito de causar humilhação da vítima – vêm sendo apresentadas
com cada vez mais frequência aos tribunais brasileiros, conforme aponta a
advogada consultora jurídica do Portal Compromisso e Atitude, Fernanda Matsuda.
O aumento numérico de casos denunciados e a gravidade a que
podem chegar têm demandado respostas dos sistemas de Segurança e Justiça: em
novembro de 2013 duas adolescentes, uma de Veranópolis (RS) e outra de Parnaíba
(PI), cometeram suicídio após descobrirem
que fotos e vídeos seus foram compartilhados.
A doutora em Psicologia Clínica e da Saúde pela Universidade
de Santiago de Compostela e psicóloga forense aposentada Sonia Rovinski alerta
que, dependendo do contexto ao qual a divulgação está ou será associada, os
danos podem mesmo chegar a esse extremo.
“As causas, como por exemplo o ato de a pessoa colocar a
foto da namorada nua na internet, são o determinante para causar o efeito
psicológico. E há o que chamamos de “concausas”, que são, por exemplo, os
fatores preexistentes, simultâneos ou posteriores que afetam o quadro. Então,
se tenho uma menina mais vulnerável, com baixa autoestima, que sofre bullying,
ela já é uma pessoa muito mais vulnerável para lidar com aquela exposição. Ou,
no caso de a mulher não ter o apoio da família, por exemplo. Isso tudo, mais o
fator principal – que é a ação ilícita daquele que fez isso –, vai resultar em
um tipo de trauma que pode levá-la a se deprimir, ficar mais ansiosa, não
querer o convívio social por um tempo, até o suicídio”, explica.
A psicóloga destaca que o amparo da justiça e o acolhimento
da mulher que é vítima desse crime é essencial para a sua recuperação. “As
mulheres devem sim buscar o recurso jurídico, porque ele ainda é um meio de
proteção. E é importante que elas possam entender que esse é um caminho que tem
que estar associado a outros, como os centros de referência que têm psicólogos.
Também é muito importante contar com a rede de apoio da família e de amigos”,
recomenda.
O que diz a Lei
A legislação atual permite o enquadramento do crime de cyber
vingança sob a ótica da responsabilidade civil (danos morais) e criminal. Nesta
última esfera, além dos crimes contra a honra (injúria, calúnia e difamação),
as mulheres vítimas adultas, se sofrerem violência psicológica e danos morais,
encontram amparo na Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006), e as menores de
idade também são protegidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.
O artigo 7º da Lei Maria da Penha tipifica como violência
psicológica qualquer conduta que cause dano emocional ou prejuízo à saúde
psicológica e à autodeterminação da mulher; diminuição, prejuízo ou perturbação
ao seu pleno desenvolvimento; que tenha o objetivo de degradá-la ou controlar
suas ações, comportamentos, crenças e decisões mediante ameaça,
constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante,
perseguição, insulto, chantagem, ridicularização, exploração, limitação do
direito de ir e vir ou qualquer outro meio.
“Em primeiro lugar, a veiculação da foto por si só é um
crime contra a honra, uma difamação. E, para estabelecer se é também uma
violência psicológica, é preciso ver como isso repercute na pessoa que foi
vítima. A mulher pode ficar tão mal com aquela exposição que acaba ficando
doente e, aí sim, há uma violência psicológica”, explica a
vice-procuradora–geral da República Ela Wiecko.
Muitas vezes, o compartilhamento vem acompanhado ainda de
ameaças à vítima e até por chantagem e extorsão. De acordo com a juíza Teresa
Cristina Cabral dos Santos, titular da 2ª Vara Criminal da Comarca de Santo
André (SP), muitos casos, assim, podem ser processados também como crime de
ameaça, quando o parceiro, por exemplo, alerta a vítima que irá expô-la em
situações de intimidade caso ela termine o relacionamento.
A vingança pornô ganhou destaque também no novo texto do
marco civil da internet, aprovado em abril de 2014, aponta a advogada Fernanda
Matsuda. De acordo com a Lei nº 12.965/2014, os provedores de internet que não
retirarem do ar o material após notificação extrajudicial poderão responder
pelos danos causados à vítima – o que pode tornar a retirada bem mais célere.
Já a “Lei Carolina Dieckmann” (Lei nº 12.737/2012),
rapidamente aprovada após fotos íntimas da atriz terem sido copiadas de seu
computador pessoal e divulgadas na rede, incluiu no Código Penal uma série de
infrações praticadas no meio digital e prevê a reclusão de 8 meses a 3 anos e 4
meses a quem divulgar conteúdo roubado de dispositivo informático, mas não
prevê especificamente a conduta “pornô de vingança” quando não houver o roubo
das imagens, mas sim a veiculação sem consentimento.
Propostas legislativas
Na Câmara dos Deputados atualmente tramitam três projetos de
lei sobre o tema, com propostas distintas. Todos buscam, entretanto, o aumento
da pena em relação ao crime de difamação em caso de cyber vingança.
O Projeto de Lei 6.713/2013 estabelece a punição de um ano
de reclusão e multa de 20 salários mínimos a quem publicar “as chamadas
postagens pornográficas de vingança na internet”. A proposta cita como exemplo
a legislação da Califórnia e de New Jersey sobre o assunto e a posição do
delegado José Mariano de Araújo Filho, especialista em crimes cibernéticos, que
diagnosticou: a dificuldade operacional e a ausência de regulamentação
legislativa para coleta das provas são os principais entraves à resolução
desses casos.
O Projeto de Lei 5.555/13 prevê que, sempre que imagens ou
áudios forem divulgados sem o consentimento da mulher, o juiz determinará a
remoção do conteúdo da internet. Tal medida deverá ser acatada pelo “provedor
de serviço de e-mail, perfil de rede social, de hospedagem de site, de hospedagem
de blog, de telefonia móvel ou qualquer outro prestador do serviço de
propagação de informação” para que remova, no prazo de 24 horas, o conteúdo que
viola a intimidade da mulher.
De acordo com a justificativa do PL, existe uma “dimensão da
violência doméstica contra a mulher que ainda não foi abordada por nenhuma
política pública ou legislação, que é a violação da intimidade na forma da
divulgação na Internet de vídeos, áudios, imagens, dados e informações pessoais
da mulher”.
Apensos ao PL 5.555/2013 estão o PL 5.822/2013, o PL
6.630/2013, o PL 6.713/2013, o PL 6.831/2013 e o PL 7.377/2014, por tratarem da
matéria de forma semelhante.
Já o Projeto de Lei 6.630/2013 pretende alterar o Código Penal para
tipificar a conduta de “divulgar fotos ou vídeos com cena de nudez ou ato
sexual sem autorização da vítima” e estabelece pena de detenção de um a três
anos e multa, com aumento de pena de um terço se o crime for cometido com o fim
de vingança ou humilhação ou por agente que era cônjuge, companheiro, noivo,
namorado ou manteve relacionamento amoroso com a vítima, com ou sem
habitualidade.
A proposta obriga o agente a indenizar a vítima por todas as
despesas decorrentes de mudança de domicílio, de instituição de ensino,
tratamentos médicos e psicológicos e em caso de perda de emprego, mas não
impede que a vítima busque, na esfera civil, a reparação por outras perdas e
danos morais e materiais.
De acordo com a justificativa do projeto, a partir da
análise da legislação vigente, não foi encontrada “uma norma penal específica
que defina a conduta de divulgação indevida de material íntimo. As autoridades
acabam enquadrando como difamação ou injúria, que possuem pena branda para a
gravidade da conduta”.
Fonte: Levantamento realizado pela consultora jurídica do
Portal Compromisso e Atitude Fernanda Matsuda
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