Prostituição na área do Castelão (Fortaleza-CE) já é conhecida pelas
autoridades há muitos anos
O relógio não chegou a marcar 21h. Não são poucos os carros,
motocicletas e ônibus que trafegam pela Avenida Juscelino Kubitschek, no bairro
Passaré, em Fortaleza. Na via, várias pessoas apressam o passo entre ruas
escuras. Enquanto isso, um dos mais notórios problemas sociais da capital
cearense continua: a exploração sexual.
Um local. Duas realidades. De um lado, uma arena moderna. Do
outro, marginalização. Em menos de 20 minutos, a Redação Web do Diário do
Nordeste constatou a presença de pelo menos 10 pessoas, entre travestis,
mulheres, homens e adolescentes, em uma espécie de corredor da prostituição nas
imediações da Arena Castelão, estádio reformado em orçamento de R$ 518 milhões.
Em outra visita ao local, dessa vez durante o período da manhã, o mesmo
acontecia – com quase a mesma intensidade.
Além da Arena, outros investimentos foram feitos na região.
Entre eles, os BRTs (Bus Rapid Transit) da Alberto Craveiro, Paulino Rocha e
Dedé Brasil, que, somados, custam quase R$ 100 milhões. Essas obras alteraram a
realidade das pessoas que moram nessas vias, principalmente nos locais
adjacentes ao Castelão. Os relatos dos moradores são de que falta ou há
irregularidades em fornecimento de itens básicos, como saneamento básico,
assistência direta, segurança, semáforos de pedestres e paradas de ônibus.
O que pode ser visto em torno da região desses altos
investimentos, necessários para a realização de um dos maiores eventos do
planeta, é pobreza, violência e promessa. Quando Fortaleza foi selecionada para
cidade-sede da Copa do Mundo, muito se falou sobre a possível revitalização da
região. Porém, a esperança virou frustração.
“Estão tampando o sol com a peneira. Não dá para fechar o
olho (…) Está tudo muito relacionado: investimento, falta de atenção e
prostituição. Quando trabalha numa obra, simultaneamente e antecipadamente, não
trabalha o lado social. Não trabalha com o impacto que a obra terá com a
comunidade”, afirmou a responsável interina da Associação das Prostitutas do
Ceará (Aproce), Alice Oliveira.
Com a aproximação de
um dos maiores eventos do planeta, Fortaleza tem repercussão internacional
Não foram poucas as matérias de jornais internacionais que
mostraram a realidade do País. Conforme matéria veiculada no tabloide britânico
Mirror, escrita pela jornalista Matt Roper, que mora no Brasil há 15 anos, o
Brasil convive com “alguns grupos mafiosos de âmbito internacional e que estão
planejando uma onda de prostituição infantil organizada em torno dos estádios”.
Para a Copa do Mundo, é inegável que o número de garotas de
programa aumentará na cidade. Para a responsável interina da Aproce, isso
ocorrerá porque várias pessoas virão de outras cidades que não sediam o evento.
“São pessoas que criaram uma expectativa e que devem ter se preparado, de uma
certa maneira, para poderem vir. Isso implica em gastos e que, muitas vezes,
elas podem não atingirem os objetivos”, afirmou a chefe interina da associação
que representa as prostitutas há 23 anos.
Outra matéria que teve repercussão internacional foi um
extenso artigo do jornal britânico The Guardian, que abordou a exploração
sexual de adolescentes em Fortaleza. Segundo a matéria, Fortaleza é a “capital
brasileira da prostituição infantil” e um “imã para o turismo sexual”.
Até a TV árabe Al Jazeera publicou uma reportagem especial
sobre o assunto, também com foco em Fortaleza. No texto, o jornalista Jo
Griffin afirma que “se no ano passado a Copa das Confederações foi um
aquecimento para a Copa do Mundo no Brasil, também foi um treino para aqueles
que trabalham para proteger as crianças da exploração sexual durante o evento
da FIFA”.
Governo promete
combater exploração sexual na Copa
Preocupado com a exploração sexual, o Governo Federal
discute o assunto e promete combater crimes cometidos durante a Copa do Mundo.
A presidente Dilma Rousseff declarou em sua conta oficial no Twitter que unirá
força para combater a exploração sexual em todo o País.
Com a alta vigilância do governo sobre o aliciamento de
crianças e adolescentes, muitos turistas podem se inibir. Para Jânia Perla
Diogenes, Doutora em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo (USP) e
coordenadora do Laboratório de Estudos da Violência da Universidade Federal do
Ceará (UFC), os turistas sabem que encontrarão dificuldades. “Ao contrário dos
que vinham há 10 anos, eles têm muito mais medo de se envolverem em exploração,
porque eles sabem que há uma legislação forte. O que escuto das garotas é que
eles perguntam a idade delas e, às vezes, pedem os documentos”, relatou.
No caso da avenida Juscelino Kubitschek, Jânia Perla lamenta
que é inegável que com avanços desordenados e falta de atenção às comunidades
próximas há aumento na exploração sexual. “Onde se abrem vias movimentadas,
passa-se a ter movimento maior de pessoas e carro. [Na avenida] É recorrente
que isso ocorra, inclusive porque os caminhoneiros são uns dos principais
clientes”, afirmou.
Sobre o assunto, a assessora comunitária do Centro de Defesa
da Criança e do Adolescente (Dececa), Cecília Góis, concorda que o problema
existe devido à “ausência de políticas públicas que contemplem as demandas
básicas das comunidades do entorno do Castelão, com destaque para saúde e
educação pública de qualidade”.
Ainda segundo a assessora comunitária, a ONG Barraca da
Amizade realiza um trabalho de busca ativa na região e constatou a presença de
adolescentes vindas do interior do estado e até do estado de São. “O que as
instituições que trabalham no enfrentamento à violência sexual vinham colocando
que seria um dos resultados negativos da Copa já está acontecendo”, lamentou.
No combate contra a exploração sexual, a pesquisadora Jânia
Perla, afirma que é necessária união entre várias instâncias. “É importante que
haja práticas preventivas. Unir ONGs, secretarias da juventude, da criança e do
adolescente, no sentido de fazer campanhas educativas. Ir às escolas e regiões
de vulnerabilidade, perto da orla e da Arena Castelão. E também, claro, em
relação aos turistas que chegam. Nunca é demais aqueles cartazes, panfletos em
aeroportos, tanto sensibilizando quanto, ao mesmo tempo, alertando sobre as
consequências jurídicas resultadas do envolvimento com crianças e
adolescentes”, comentou.
Associação de
Prostitutas vê Copa como um elemento negativo
Para a responsável interina da Aproce, Alice Oliveira, a
presença de vários estrangeiros durante o período de realização da Copa do
Mundo não significa um benefício para a categoria. “Quando você pensa: ‘Virão
num sei quanto turistas, sejam brasileiros ou não, para cá… certo. Mas será que
isso é bom? Tudo está tão desregrado. Me dá a sensação de que aqui parece a
casa da Mãe Joana”, afirmou a responsável da Aproce, que tem mais de 4 mil
membros.
Apesar da ideia de que estrangeiros são bem recebidos pelas
prostitutas, Alice afirma que há receio no relacionamento com os turistas de
outros países. “Eles não vêm só para o futebol. A imagem lá fora é que temos
mulheres extremamente belas, sensuais, reprodutoras, e que eles podem fazer o
que quer. A maioria das mulheres não gosta de sair muito com gringos, porque se
houver algum tipo de problema, alguma agressão, que tenha que se chamar a
Policia, quem sempre acaba perdendo são as moças. Como eles não falam nossa
língua, a Policia lida como se elas os aliciassem”, falou.
Fonte: Diário do Nordeste
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