Duas mulheres em uma vitrine no
bairro da luz vermelha de Amsterdã em 2015. HORACIO VILLALOBOS CORBIS
O modelo sueco, que penaliza o
cliente da prostituição para impedir as máfias, se estende a cinco países da
União Europeia.
Em Estocolmo, o bairro da luz
vermelha é fundamentalmente a rua Malmskillnadsgatan, bem pertinho do centro. O
que em Amsterdã é um bairro demarcado com letreiros luminosos e cheio de
vitrines nas quais as prostitutas se expõem, na capital sueca se reduz às
calçadas cinzentas de um par de ruas nas quais as mulheres se aproximam dos
carros ou dos transeuntes e oferecem seus serviços por alguns milhares de
coroas. E discretamente. Na Suécia, há 18 anos, é proibido pagar por sexo. Ali,
a prostituição é legal, mas os clientes podem enfrentar sanções econômicas e
até penas de até um ano de reclusão.
É a receita sueca para lutar
contra as redes de tráfico e contra a exploração sexual. Um tipo de
abolicionismo, explicou há alguns dias em Madri Asa Regner, ministra da
Igualdade da Suécia, que parte da premissa de que se não há demanda não haverá
oferta, e que se baseia na ideia de que a prostituição está baseada na
desigualdade de gênero e é uma forma de violência contra a mulher — em sua
maioria. “E o modelo sueco está em expansão”, afirma Regner depois de um
seminário dedicado ao tráfico e à prostituição organizado pela Embaixada sueca
em Madri. Noruega e Islândia acompanharam a Suécia, e hoje são oito os países
que apostam nessa fórmula. Os últimos são França e Irlanda, que desde fevereiro
impõem sanções de até 2.000 euros (cerca de 7.500 reais) aos clientes.
Uma fórmula que se aplica também
em determinados espaços públicos na Espanha, onde a prostituição não é
regulamentada, mas a prostituição coercitiva e o tráfico são punidos. A Lei de
Segurança Cidadã (a chamada Lei da mordaça), e antes dela algumas leis
municipais, castiga quem solicite ou aceite “serviços sexuais retribuídos” em
zonas de trânsito público, perto de colégios, parques ou espaços de lazer
acessíveis a menores, ou “quando essas condutas, em função do lugar em que se
realizam, podem gerar um risco para a segurança viária”. Desde que a lei entrou
em vigor, em julho de 2015, até dezembro de 2016, cerca de mil homens receberam
multas por contratar sexo. Algumas mulheres também foram punidas, mas por
“exibição obscena”. Tudo isso apesar de os especialistas internacionais
concordarem que punir as mulheres que oferecem serviços sexuais dificulta a
denúncia de abusos e prejudica quem está em situação mais vulnerável.
E a lei da mordaça, explica
Carmen Meneses, professora da Universidade Pontifícia Comillas e especialista
na análise do tráfico e da prostituição, se une às normas municipais que também
punem o cliente e também, em alguns casos, as mulheres. “Está sendo usada uma
forma enviesada de proibir a prostituição”, critica Meneses, que pede uma
análise e um debate tranquilo para que a Espanha tenha seu próprio modelo. O
melhor, diz, seria um modelo misto.
Na Irlanda e na França, a lei
multava as mulheres que procuravam clientes nas ruas. No entanto, agora a
prostituição ali é legal, apesar de pagar por sexo não ser. E o caso desses
países reanimou o complexo debate entre os que, como as autoridades da Holanda,
consideram a venda de serviços sexuais um trabalho e acreditam que deveria ser
legalizado para assim proteger as mulheres, evitar a prostituição coercitiva e
erradicar as máfias; e quem afirma que a prostituição nunca é algo escolhido
livremente, mas algo a que as mulheres são obrigadas, seja pelas máfias, seja
em função da desigualdade e da pobreza. E que os clientes contribuem para essa
escravidão. “No mínimo contribuem para enriquecer um negócio criminoso”, afirma
o delegado Per Englud, que há mais de duas décadas persegue cafetões e
exploradores em Estocolmo. Na Suécia, há cerca de 600 condenações por ano por
pagamento por sexo; nenhuma a prisão.
Na França, mais de 800 homens
foram advertidos por contratar serviços sexuais desde que há um ano entrou em
vigor a lei que dispõe multas de até 3.500 euros (mais de 13.000 reais). E
desde então, o debate não parou. Há 10 dias, dezenas de prostitutas saíram às
ruas em Paris para exigir a descriminalização dos clientes. Afirmam que a nova
regulamentação não lhes dá mais direitos, mas as coloca na clandestinidade e na
insegurança. “Não ajuda a combater as redes criminosas e prejudica as mulheres
mais marginalizadas”, afirma Kate McGrew, coordenadora da Aliança de
Trabalhadoras Sexuais da Irlanda (SWAI), que afirma além disso que a nova
regulamentação praticamente não tem efeito na chamada prostituição de alto
nível.
McGrew é mais partidária do
modelo holandês. Na Alemanha, um país considerado um dos maiores prostíbulos da
Europa, onde entre 150.000 e 700.000 mulheres vendem serviços sexuais —apesar
de poucas, na realidade, terem se registrado— e há entre 3.000 e 3.500 bordéis,
segundo o sindicato patronal do setor, que movimenta 14,5 bilhões de euros por
ano (mais de 55 bilhões de reais), a prostituição é uma atividade regulamentada
desde 2002. E em alguns meses serão aplicadas novas normas, como o uso obrigatório
do preservativo e o veto às chamadas gang bangs.
“Mas que seja regulamentado não
significa que não haja mulheres exploradas ou vítimas de tráfico. Só é mais
difícil pegar quem abusa delas, porque se escondem por trás de toda uma
arquitetura legal”, diz a ativista Laura Lessig, a quem o modelo sueco também
não convence. “Há menos prostituição, mas a que existe está escondida e isso
não ajuda as mulheres a denunciar as máfias”, diz.
Na Noruega, Islândia e Suécia —
onde caiu para menos da metade — continua havendo prostituição. No entanto,
enquanto na rua se tornou algo residual, aumentou o número de acompanhantes.
Além disso, a atividade se transferiu das calçadas para apartamentos —uma
investigação policial detectou recentemente o uso de apartamentos de locação
turística de plataformas como Airbnb. E os contratos que antes eram feitos nas
calçadas agora acontecem na Internet, onde também há cafetões e máfias. Para
persegui-los na rede, e também aos clientes, dedicam-se equipes especializadas
da polícia sueca. “Se os compradores são capazes de encontrá-las, nós também
somos”, diz o comissário Englud.
MODELOS REGULAMENTADOS
Manifestação contra a penalização
dos clientes de serviços sexuais, em 8 de abril em Paris. AFP
Sem regulamentação. Espanha,
Itália. Na Espanha, a prostituição não é regulamentada. No entanto, a lei
mordaça e alguns decretos municipais — 52, segundo um estudo realizado pela
professora Carmen Meneses, da Universidade de Comillas — proíbem a prática em
alguns lugares (principalmente públicos) e impõem multas tanto para clientes
quanto para prostitutas (especialmente por exibicionismo). É o caso de
Barcelona, embora a maioria das multas impostas tenha sido contra compradores
de sexo.
Novo abolicionismo. Em 1999, a
Suécia aprovou uma lei que criminalizava a compra de serviços sexuais. Um
regulamento pioneiro que impõe multas e até prisão de clientes e cafetões e que
está se expandindo. É o modelo adotado também pela Noruega e pela Islândia; por
isso, alguns o chamam de modelo sueco ou modelo nórdico. França, Irlanda,
Irlanda do Norte, Canadá, Cingapura e Coreia do Sul também adotaram modelos
semelhantes. Grécia e Escócia estudam regulamentos nesse sentido.
Legalista. Holanda, Alemanha,
Dinamarca. Na Holanda, a prostituição é regulamentada como trabalho desde 2000.
A lei exige que os proprietários de bordéis e clubes paguem a Seguridade Social
e impostos das prostitutas. Elas devem ter uma licença municipal e têm direito
de receber seguro-desemprego e outros benefícios por contribuir com a
seguridade social. Na Dinamarca, onde as prostitutas também devem ser
registradas e pagar impostos, elas não contribuem para a previdência nem
recebem seguro-desemprego.
Fonte: El Pais
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