Apesar das mudanças que a
aprovação da PEC das Domésticas proporcionou, certas coisas permanecem, como a
discriminação a que são expostas essas trabalhadoras, os elevadores de serviço,
os baixos salários, o assédio moral, as poucas garantias e etc. Assim, cabe ao
movimento feminista se colocar na luta com as trabalhadoras domésticas e
fomentar a discussão da realização do trabalho doméstico, não apenas do ponto
de vista do trabalho que não é realizado pelo homem, mas do trabalho que é
realizado por assalariados.
Texto de Mariana Raquel. 27 de
abril, Dia da Trabalhadora Doméstica.
Em 2008, eu ingressei na
faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR) como cotista
racial. Muitas coisas me marcaram nesse processo, dentre elas um debate que foi
realizado na minha primeira semana de aula pelo Centro Acadêmico.
O tema do debate era o trabalho
doméstico, naquela época a aprovação da PEC das Domésticas era apenas um sonho
e os alunos debatiam a importância de igualar em direitos os trabalhadores
domésticos aos demais trabalhadores.
Durante o debate, muitos alunos
deram depoimentos emocionados da importância das trabalhadoras domésticas em
suas vidas, dizendo como elas tinham contribuído para a sua educação e como
elas estiveram sempre presentes. Naquele momento, ouvindo aqueles alunos, pela
primeira vez na vida eu percebi com clareza a dimensão do trabalho que minha
mãe e tantas outras mulheres da minha família desempenharam por anos.
Naquele momento eu percebi que o
trabalho realizado pelas mulheres pobres e em sua maioria pelas mulheres
negras, nos lares da classe média, foi essencial para a emancipação da mulher
branca e burguesa. Assim, quando as mulheres saíram de casa para trabalhar, o seu
papel foi substituído por trabalhadoras assalariadas que limpavam suas casas,
davam de comer aos seus filhos, levavam seus cachorros para passear e cuidavam
de suas crianças enquanto elas consumiam cultura.
Certa vez, conversando com a
minha mãe sobre educação, ele me disse que se ressentia por nenhuma das suas
empregadoras tê-la incentivado a voltar a estudar. Minha mãe começou a
trabalhar com 15 anos, quando saiu de sua casa no interior do Paraná, para
trabalhar em São Paulo como doméstica, sem conhecer ninguém na cidade além da
família para a qual trabalhava.
Minha mãe trabalhou para mulheres
formadas, para professoras universitárias, mas nenhuma delas a incentivou a
trilhar outro caminho. Isso me faz pensar no porque a valorização das
trabalhadoras domésticas nunca ter sido, efetivamente, pauta do movimento
feminista, mesmo que a mão-de-obra do trabalho doméstico no Brasil seja
composto mais de 90% por mulheres.
A grande verdade é que muitas
mulheres do movimento feminista preferem pagar para que outras mulheres limpem
suas casas, para terem tempo de ler Marx e pensar na revolução, pensando que
apenas pagar um salário justo e tratar bem o funcionário é fazer a sua parte.
Mas eu não vejo uma real preocupação com a situação das trabalhadoras
domésticas por parte do movimento, eu não vejo as pessoas discutirem o motivo
pelo qual adquirem casas maiores que a sua capacidade de arrumar, eu não vejo
as pessoas traçando um mundo em que enfim o trabalho doméstico já não seja
necessário.
Manifestação no Congresso
Nacional pela ratificação da Convenção 189 da OIT e aprovação da PEC das
trabalhadoras domésticas. Brasília, 2012. Foto de José Cruz/Agência Brasil.
Como sabemos o trabalho doméstico
teve início no Brasil com a exploração da mão-de-obra indígena e negra e, mesmo
após a abolição da escravatura continuou a ser desempenhado, em sua maioria,
por pessoas negras e pobres, que tiveram pouco acesso a educação.
Por esse motivo, quando da
elaboração do projeto da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), as
trabalhadoras domésticas foram menosprezadas, sendo a elas garantidos menos
direitos que aos demais trabalhadores.
Dessa forma, a aprovação do
projeto de lei que igualou as trabalhadoras domésticas aos demais
trabalhadores, foi um tapa na cara da sociedade brasileira, que estava
acostumada a ser servida, sem, em contrapartida, pagar salários dignos, horas
extras, fundo de garantia e décimo terceiro salário.
Além disso, as políticas públicas
de cotas e bolsas para os estudantes negros e pobres, que incomodaram tanto a
classe média alta brasileira, tem quebrado a roda da pobreza a que permaneciam
presas gerações de mulheres, que somente agora se veem representadas, ainda que
em pequena escala, nas universidades.
Isso já se reflete nas
estatísticas do trabalho doméstico, pois cada vez menos, mulheres de 18 a 24
anos, tem procurado no trabalho doméstico a sua fonte de renda. No entanto, as
estatísticas nos mostram que o número de mulheres negras no trabalho doméstico
aumentou, o que nos evidencia a vulnerabilidade dessa população.
Contudo, apesar das mudanças que
a aprovação da PEC das Domésticas proporcionou, certas coisas permanecem, como
a discriminação a que são expostas essas trabalhadoras, os elevadores de
serviço, os baixos salários, o assédio moral, as poucas garantias e etc.
Assim, cabe ao movimento
feminista se colocar na luta com as trabalhadoras domésticas e fomentar a
discussão da realização do trabalho doméstico, não apenas do ponto de vista do
trabalho que não é realizado pelo homem, mas do trabalho que é realizado por
assalariados.
Para mim e para tantas outras
mulheres, filhas dessas trabalhadoras, foi possível superar a herança do
trabalho doméstico. Felizmente para mim, eu poderei ser só da minha família e
nunca quase “da família” de ninguém.
Autora:
Nasci Mariana Raquel, mas a vida
me fez Diva. Atualmente, como divar não paga as contas, estou advogata.
Fonte: Blogueiras Feministas
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