Em oito anos, a população de rua
mais que dobrou em Belo Horizonte, mas o número de vagas em abrigos e albergues
continua o mesmo há pelo menos 10 anos.
“O que dói não é só a fome, nem a solidão. O
que dói mesmo é o olhar das pessoas”. É assim que Lúcia Machado, de cerca de 50
anos - prefere não falar a idade - define o sentimento de morar na rua.
Ela é um dos 1.827 moradores de
rua de Belo Horizonte, de acordo com o Terceiro Censo de População de Rua de
Belo Horizonte, realizado pelo Centro Regional de Referência em Drogas da
Faculdade de Medicina (CRR) da UFMG em parceria com a Prefeitura.
Em contraste com este número, as
vagas em centros de acolhimento institucional para essas pessoas somam 952,
considerando também as que não tem vagas exclusivas para a população de rua.
Assim como Lúcia, a maioria das
pessoas que vivem nas ruas da capital está na região Centro-Sul. Grande parte
delas (43,8%) sofre de depressão. “Há uma prevalência alta não só de depressão
nesta população, mas de outras doenças mentais como ansiedade. Entre as formas
de se tratar isso - que são questionáveis - estão as drogas", afirma o professor
adjunto do Departamento de Saúde Mental e coordenador do CRR Frederico Garcia,
um dos mentores do último censo da população em situação de rua da capital
feito em 2013.
Segundo ele, a proporção de
moradores de rua que convive com ideias de suicídio é muito alta. Um reflexo do
sofrimento dessa população. "Existe o estigma, não se abre espaço para
essas pessoas. O envelhecimento também os torna menos tolerantes a uma série de
trabalhos que são propostos”, explica o especialista.
Moradores de rua estão
envelhecendo e sofrem de depressão
Em 1998, 67% dos moradores de rua
se encontrava na faixa etária de 18 a 40 anos. Em 2013, o censo apontava que
essa mesma porcentagem tem agora entre 31 e 50 anos.
A consequência disso, aponta
Garcia, é que em 10 ou 15 anos devemos presenciar o surgimento de idosos de
rua.
"Essas pessoas muito
possivelmente terão problemas de saúde, porque foram envelhecendo na rua e não
receberam ou têm pouco acesso a programas de prevenção de saúde”, observa
Garcia.
E eles também se tornaram mais
numerosos. O número total aumentou 56,9% entre 2005 - quando foi realizado o
segundo censo sobre o tema - e 2013. O número de abrigos e albergues para
acolher essas pessoas, no entanto, continua praticamente o mesmo nas últimas
duas décadas, exceto por uma ampliação total de cerca de 400 vagas neste
período.
As novidades desde a década de
1990, são o Abrigo Pompéia, que passou também a receber moradores de rua em
2009 e tem capacidade para cerca de 128 pessoas, e o Abrigo Carlos Prates, que
será inaugurado em abril deste ano com capacidade para 44 pessoas.
A “Pousadinha” criada em 2013,
tem 80 vagas destinadas a migrantes (pessoas que vieram de outras cidades e
estão em situação de rua em BH a menos de três meses) e o Pós-Alta, criado no
mesmo ano para receber os moradores de rua que receberam alta hospital, mas que
por questões de saúde ainda não podem voltar para as ruas. Ele tem capacidade
para 20 pessoas.
Considerando também os centros de
acolhimento para a população em situação de risco geográfico (pessoas que
precisaram deixar suas casas por estarem localizadas em áreas de risco), o
Pós-Alta, a Pousadinha e o Abrigo Carlos Prates, que ainda não foi inaugurado,
Belo Horizonte tem, atualmente, 952 vagas em centros institucionais de
acolhimento.
Declaração infeliz. Mesmo assim,
este número representa menos da metade da população em situação de rua e torna
grave recente declaração do prefeito Marcio Lacerda. O prefeito pediu aos
moradores da cidade que não ajudasse os moradores de rua com "objetos,
comida ou dinheiro. para que eles (os moradores) dependam da assistência social
da prefeitura e possam ser convencidos a deixar a rua”.
De acordo com a coordenadora do
Comitê de Monitoramento e Avaliação de Políticas para a População em Situação
de Rua, Soraya Romina, a declaração foi mal interpretada.
“Esse tema desperta os
sentimentos mais antagônicos possíveis em diversos setores da sociedade. Quando
o prefeito disse de alguma forma pra não fazer ofertas para moradores de rua, ele
quis dizer que essa população acaba se acomodando nesta situação e não tem
motivação para sair dela" relativiza Soraya.
Segundo ela, algumas pessoas
ficariam paralisadas porque a comunidade local de alguma forma as mantêm ali.
"Nós não estamos querendo dizer com isso que as pessoas não devem ajudar
os moradores de rua, mas quando eles recebem continuamente as coisas,
dificilmente eles encontram essa motivação”, diz.
O morador de rua Edivânio Silva, de 40 anos,
discorda. “Ninguém quer ficar aqui, isso não é vida pra ninguém”, diz.
Ele faz parte da maioria (94%)
dos moradores de rua de BH que, segundo o levantamento, deseja sair das ruas,
onde acabou depois da morte da mãe.
À época, a casa da família, em um
aglomerado da capital, foi desapropriada mediante uma indenização. “Meu pai
dividiu o dinheiro entre os irmãos, éramos 10 na época. Depois que ele morreu,
eu acabei no mundo das drogas, e sem casa", conta.
Suas irmãs se casaram, e ele
acabou sem ter para onde ir. "Elas conseguiram a casa delas, e eu não ia
morar de favor com meus cunhados, isso não serve pra mim. Eu quero também ter a
minha casa para convidá-las para ir lá, chamar de minha. Meu sonho é sair
daqui. Arrumar um emprego. Alugar um barraquinho", diz Edivânio, que,
segundo afirma, é também locutor.
Fonte: O Tempo
Nenhum comentário:
Postar um comentário