Maria Aparecida Lemos, de 59 anos, é professora aposentada.
Depois de se separar do marido, teve relacionamento estável durante três anos.
Dois anos depois que o namoro acabou, Cida, como é conhecida pelos amigos,
adoeceu.
Perdeu cabelo, viu surgirem manchas na pele, chegou a perder 47kg.
Enquanto isso ocorria, procurou vários médicos na tentativa de encontrar um
diagnóstico. A via-crúcis em busca de uma resposta para os seus problemas
acabou quando um reumatologista resolveu pedir que ela fizesse um teste de HIV.
O resultado não poderia ser mais surpreendente para uma profissional da
educação que não namorava há pelo menos 24 meses e que sempre foi monogâmica,
certinha e fiel em sua vida amorosa: soropositiva. Por causa da demora em
descobrir a doença, Cida foi acometida por uma infecção oportunista e perdeu a
visão.
A contaminação pela Aids por meio de relacionamentos
heterossexuais estáveis entre as mulheres é assustadora – e muito mais comum do
que se imagina. Do total de casos de Aids notificados entre mulheres no Brasil
em 2012, segundo dados divulgados pelo Sistema de Informações de Agravos de
Notificação (Sinan) no final de 2013, 86,8% decorreram de relações
heterossexuais com pessoas infectadas com o HIV. O restante ocorreu por
transmissão sanguínea e vertical. E isso não é de agora. De acordo com a
epidemiologista holandesa e presidente da Associação Para Saúde Socioeducativa,
Irene Adams, que publicou o primeiro trabalho sobre as mulheres e Aids num
congresso internacional em 1989, de lá para cá nada mudou. Em 2001, num outro
trabalho publicado, ela mostrou que os heterossexuais só descobrem que têm Aids
quando estão morrendo. “Se fossem homossexuais, a descoberta seria imediata”,
garante.
“Como médica especializada em Aids, um assunto que me
preocupa há muito tempo é o desconhecimento da epidemia entre mulheres. O
tratamento hoje é muito eficaz. O que propaga a epidemia é que as pessoas não
sabem que são portadoras do vírus”, explica. Essa situação fica ainda mais
complicada quando os envolvidos são do sexo feminino, já que as mulheres até
hoje continuam enfrentando dificuldades de negociar o uso de preservativos com
seus parceiros. Hoje já não existem apenas grupos de risco ou vulnerabilidade
para a Aids, e sim uma população-chave, como no caso das mulheres
heterossexuais com relacionamento estável. “Para um grupo de mulheres, pedir
que o parceiro use camisinha é um problema, mesmo que ela desconfie que ele
está sendo infiel. Quando faz isso, ela própria começa a ser acusada de
infidelidade. Em muitos casos, apanha do marido e depende dele para se
sustentar”, observa.
Cida, a professora aposentada mostrada no início da matéria,
é uma das sete soropositivas que participaram do documentário Positivas, produzido
e dirigido por Suzanna Lira, que conta a história e a luta de sete mulheres que
confiaram nos votos de fidelidade de seus parceiros e foram surpreendidas pelo
vírus da Aids em suas vidas. “Quando soube que estava com Aids, tive muita
raiva de mim. Fui irresponsável e ao mesmo tempo responsável pelo que aconteceu
comigo porque permiti que meu parceiro deixasse de usar preservativo. No começo
até que usávamos, mas o tempo passou e paramos. A gente acha que o amor imuniza
e que não há necessidade de maiores cuidados e, se somos fiéis, para que usar
preservativos? Mas isso é um erro”, sustenta. De acordo com a professora, pior
do que receber a notícia da doença foi perder a visão e, com ela, sua
independência. “Fiquei um ano chorando, com raiva da vida, de mim e de Deus.
Mas depois percebi que doença não é castigo. Reagi e me transformei em ativista
da luta contra a Aids”, conta.
Janela imunológica O infectologista Antônio Carlos Toledo
Júnior explica que é justamente o fato de essas mulheres não fazerem parte do
grupo de risco que as expõe à possibilidade de contaminação. “O risco é dos
parceiros. Por isso, muitas vezes essas mulheres descobrem tardiamente o
problema. Não procuram assistência por ignorar que podem estar contaminadas.
Não raro, o diagnóstico é dado primeiro ao parceiro e só depois o exame é
pedido à parceira”, explica. Apesar do maior número de casos de contaminação
entre mulheres, ele acredita que o número de diagnósticos é maior hoje.
“Estamos vivendo um momento difícil: a banalização da doença, decorrente dos
avanços no tratamento.” Ainda segundo ele, os exames precisam ser feitos, mas
não sem aconselhamento médico, já que há casos de falsos positivos e falsos
negativos. “A pessoa pode estar no período de janela imunológica, que chega a
seis meses. O importante é procurar um médico e se aconselhar para fazer o
exame”, orienta.
Trabalho de peso
Há 26 anos, a epidemiologista Irene Adams fundou em Belo
Horizonte a Ação Multiprofissional com Meninos em Risco, mais conhecida como
Clínica Ammor, para a prevenção, detecção precoce e acompanhamento da infecção
do vírus HIV/Aids entre meninos e meninas em risco social. A ideia nasceu de um
projeto de pesquisa com o objetivo de determinar os fatores de risco como base
para um trabalho de prevenção da Aids e de doenças sexualmente transmissíveis
(DSTs) entre crianças e jovens moradores de rua. Trabalhando como uma clínica
ambulatorial, a Ammor é hoje referência entre a população em risco social e
baseia seu atendimento em três atividades: atendimento médico (enfermagem,
pronto atendimento, check up, planejamento familiar, ginecologia, psicologia
clínica, nutrição), intervenções educativas entre os jovens e capacitação dos
educadores.
Aids no Brasil
» Heterossexuais adultos são maioria nas novas notificações
de infecção pelo vírus HIV.
» Em 2012, 67,5% dos casos informados pela rede de saúde
pertenciam ao grupo de heterossexuais, sendo a maioria formada por mulheres,
com 58,2%.
» A maior incidência de contaminação está na faixa de
30 a 49 anos, incluindo héteros e homossexuais.
» Desde o início da epidemia, em 1980, até junho de 2012, o
Brasil tem 656.701 casos registrados.
» Entre 2001 e 2011, a incidência de Aids no Brasil foi de
20,2 casos por 100 mil habitantes.
» A Aids está mais presente na faixa etária de 25 a 49 anos
de ambos os sexos e em jovens de 13 a 19 anos.
» Em 2002, a taxa de mortalidade era 6,3 por 100 mil
habitantes, passando para 5,6 em 2011
» Os grupos vulneráveis, somados, responderam por um 1/3 nas
notificações.
Site: Departamento de
DST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde
Fonte: Saúde Plena
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