Há três maneiras de
discutir o problema: apelar ao pragmatismo, colocar na frente a luta contra a
prática de tráfico e aliciamento de mulheres e, por fim, levantar questões de
ordem moral. De todas, as questões de ordem moral são as mais frágeis.
Por Vladimir Safatle
No início de dezembro (2013), a Assembleia Nacional francesa
votou um texto que criminaliza quem paga uma prostituta. Se aprovado no Senado,
imporá uma multa de 1,5 mil euros a quem pagar por sexo. O governo promete usar
o dinheiro para criar um fundo destinado a auxiliar prostitutas a procurarem
outras profissões.
A discussão é interessante, por tocar em questões que acabam
por dizer respeito a todos. O debate colocou, de um lado, o grosso das
associações feministas e de defesa dos direitos das mulheres. Surpreendentemente,
as associações de defesa dos direitos das prostitutas foram profundamente
contrárias ao texto. Segundo elas, o resultado será fazer da prostituição uma
atividade ainda mais escondida e vulnerável à exploração.
Há três maneiras de discutir o problema: apelar ao
pragmatismo, colocar na frente a luta contra a prática de tráfico e aliciamento
de mulheres e, por fim, levantar questões de ordem moral. De todas, as questões
de ordem moral são as mais frágeis.
Poderíamos aqui adotar um viés pragmático e afirmar que tão
velha quanto a prostituição é a promessa dos governos de acabarem com ela.
Sempre há alguém em campanhas morais na porta de prostíbulos. Elas se
demonstraram, por séculos, ineficazes.
Esse argumento tem, porém, suas falhas. A Suécia
criminalizou a prostituição. Embora a prática não tenha sido completamente
extinta, estatísticas oficiais afirmam que ela caiu 50%. Ou seja, é possível,
por lei, se não acabar, ao menos diminuir a prática da prostituição. Resta
saber se de fato precisamos de algo assim.
Aqui entra a discussão a respeito do tipo de problema que a
prática realmente representa. No caso francês, a questão que apareceu como
justificativa para todo esse esforço legal foi o tráfico de mulheres,
imigrantes ilegais aliciadas em países mais pobres e em situação de exploração
e fragilidade social. De fato, não há como negar a gravidade do problema, mas
aqui fica clara a desorientação da proposta. Pois, se esse é, de fato, o
problema central, então bastava reforçar as leis existentes contra a exploração
econômica de imigrantes ilegais e, como foi feito na Holanda, dotar a prática
de um conjunto substancial de dispositivos legais de amparo social.
Colocar as coisas nesses termos serve para focar o debate em
torno de seu verdadeiro núcleo: a questão moral. Sim, esse sempre foi e sempre
será um debate moral e merece ser tratado como tal. Há, no entanto, duas
questões morais envolvidas. A primeira é: “Podemos aceitar o desejo de submeter
as relações sexuais a um contrato comercial?” A segunda: “O Estado tem o
direito de legislar sobre a vida sexual de seus cidadãos?”
Seria possível reformular a segunda pergunta e afirmar que
não se trata, nesse caso, de dar ao Estado o direito de legislar sobre minha
vida sexual, mas de impedir que seus cidadãos se submetam a trabalhos
degradantes como a prostituição. No que chegamos a uma questão importante: deve
se considerar a prostituição, em si, uma degradação? Se dotássemos as
prostitutas de todas as garantias sociais que damos a outros trabalhos e puníssemos
com rigor sua exploração econômica, ela ainda seria uma degradação? Isso nos
leva à primeira questão, a saber, se o ato de submeter as relações sexuais a um
contrato comercial é, em si, uma degradação. Poderíamos ainda colocar uma
questão suplementar, do tipo: por que para nós submeter o uso da força de
trabalho a um contrato comercial nos parece justo e submeter as relações
sexuais às mesmas modalidades de contrato nos parece degradante?
Se você responder que relações sexuais não podem ser objetos
de contratos, então seria bom se perguntar por
que a infidelidade conjugal é um crime tipificado pela
legislação penal brasileira com punição de 15 dias a seis meses de prisão. Ela
só pode ser crime pelo fato de a legislação compreender o casamento como um
contrato que rege, entre outras coisas, as relações sexuais.
Ao menos nesse ponto, a prostituição simplesmente torna
explícita as regras legais presentes no casamento, como a legislação vigente o
compreende. Ou seja, se a prostituição for, em si, degradante, então não
teríamos como defender a concepção legal do casamento. O que mostra quão
problemática é a tentativa de criticar moralmente e criminalizar a prostituição.
Fonte: Revista Carta Capital
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