Pesquisa realizada no Hospital da Mulher Prof. Dr. José
Aristodemo Pinotti (Caism) da Unicamp avaliou o perfil, os sintomas psíquicos,
o tratamento ambulatorial e as características da agressão de 687 mulheres
adultas e adolescentes vítimas de violência sexual atendidas entre os anos de
2006 e 2010.
O trabalho resultou em três artigos científicos – um
publicado em maio deste ano e dois recém-encaminhados para publicação
internacional – e na dissertação de mestrado "Características
sociodemográficas e sintomas psíquicos de mulheres vítimas de violência
sexual", defendida na Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp.
A pesquisa foi conduzida pela médica psiquiatra Cláudia de
Oliveira Facuri. A orientação foi da professora Renata Cruz Soares de Azevedo,
do Departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria da FCM Unicamp.
Violência sexual é, segundo a Organização Mundial da Saúde,
"qualquer ato sexual ou tentativa de obter ato sexual, investidas ou
comentários sexuais indesejáveis, ou tráfico ou qualquer outra forma, contra a
sexualidade de uma pessoa usando coerção, por qualquer pessoa, independente de
sua relação com a vítima, em qualquer cenário, incluindo, mas não limitado, à
casa e ao trabalho". Dados brasileiros indicam que a mulher é a principal
vítima de violência sexual ou estupro. A pena para o agressor é de 6 a 30 anos
de reclusão, dependendo da gravidade, idade da vítima e se houver gravidez ou
doença sexualmente transmissível decorrente da violência sexual.
De acordo com a literatura médica nacional e internacional,
as mulheres vítimas de violência sexual apresentam risco aumentado de
hipertensão, dor pélvica crônica, síndrome do intestino irritável, asma,
problemas ginecológicos, doenças sexualmente transmissíveis, suicídio, abuso de
álcool e outras drogas e vários outros transtornos mentais.
Já a experiência de violência sexual na adolescência pode se
apresentar por sinais e sintomas indiretos, tais como: mudanças de
comportamento; atitudes sexuais impróprias para a idade; demonstração de
conhecimento sobre atividades sexuais superiores à de sua fase de
desenvolvimento através de falas, gestos ou atitudes; masturbação frequente e
compulsiva; tentativas de desvio para brincadeiras que possibilitem intimidades
ou a manipulação genital que reproduz as atitudes do agressor.
PESQUISA
O Caism é um hospital universitário que integra a rede de
instituições parceiras do projeto Iluminar Campinas. É referência local e
regional para atendimento de mulheres e adolescentes vítimas de violência
sexual e assistência à gestação decorrente dessa agressão. O atendimento é
gratuito e funciona 24 horas, todos os dias do ano.
As informações para a pesquisa foram obtidas das fichas
clínicas que compõem o prontuário das pacientes. Os dados obedecem a uma
sequência de avaliações feitas por uma equipe multidisciplinar composta por
enfermeiros, ginecologistas, assistentes sociais, psicólogos e psiquiatras que
atenderam as vítimas de violência sexual.
De acordo com os dados da pesquisa da Unicamp, a idade média
das mulheres avaliadas foi de 23,7 anos, sendo 47,4% adolescentes. A maioria
era da cor branca, solteira, sem filhos, sadia, com escolaridade maior que oito
anos e profissionalmente ativa: 41,6% estavam empregadas e 39,4% eram
estudantes. Quanto à religião, 84,9% tinham religião e 74,7%, prática
religiosa, sendo que 52,6% delas eram católicas e 40,7%, evangélicas.
Segundo depoimento das vítimas, a agressão ocorreu
principalmente no período noturno, entre 18 horas e 7 horas da manhã, na rua,
no percurso do trabalho ou escola, em vias sem ou com pouca iluminação, por um
único agressor desconhecido e com intimidação por força física ou porte velado
de faca ou arma de fogo.
"As pessoas têm a fantasia de que as mulheres são
abordadas na madrugada, na balada, porque estavam se oferecendo. Isso não é
verdade. Elas são abordadas no período em que escurece ou logo no começo da
manhã, no ponto de ônibus, indo ou voltando do trabalho ou da escola",
disse a psiquiatra Cláudia de Oliveira Facuri, que é formada pela Unicamp.
Conforme dados da pesquisa, a violência sexual deu-se por
meio de coito vaginal. Um quarto das mulheres era virgem até a ocorrência da
violência sexual, 16,2% apresentavam antecedente pessoal e 9,6%, antecedente
familiar de violência sexual.
Após a violência sexual, mais da metade das mulheres
apresentou alterações de sono; 51,8% apresentaram sintomas depressivos e 48,5%
apresentaram ansiedade. Ainda de acordo com os dados da pesquisa, 46,5% das
mulheres sentiram vergonha após o trauma e 20,8% se sentiram culpadas. Cerca de
1/3 delas se isolou, 32,9% evitaram contatos sociais e 28,8% alteraram suas
rotinas diárias. Outro dado apontado pela pesquisa foi com relação ao
comportamento suicida. Após serem violentadas, 18,8% das mulheres relataram que
pensaram em cometer suicídio, 6,5% afirmaram que planejaram e 1,7% tentou se
matar.
Os principais temores relativos ao trauma apontados pela
pesquisa foram: repetição da violência sexual para 25,8% das mulheres, medo de
contrair doenças sexualmente transmissíveis para 24,3% e medo de gestação para
10,8% delas.
"Elas vivem com temor da repetição da violência sexual.
Muitas das agressões acontecem durante assalto e eles ameaçam voltar. A fala
dos agressores é muito parecida. Embora raramente isso aconteça, ela acredita
estar refém dessa pessoa para sempre. Quando sabem que o agressor está preso, a
sensação de segurança aumenta muito", disse a professora e psiquiatra
Renata Cruz Soares de Azevedo.
Ainda segunda a pesquisa, mais da metade das mulheres
realizou Boletim de Ocorrência (BO) e contou a alguém sobre a violência,
geralmente pais, marido ou familiar. Ao longo do período estudado, houve
redução na realização de BO pelas vítimas e aumento na procura precoce de
atendimento: 65,3% delas procuraram o atendimento de emergência do Caism em até
24 horas e 87,6% procuraram o mesmo serviço até 72 horas.
"O primeiro atendimento é crucial do ponto de vista
médico. Se não iniciarmos o coquetel antirretroviral do HIV, antibióticos,
vacina para hepatite B e anticoncepcional de emergência nos primeiros dias,
preferencialmente nas primeiras 24 a 48 horas, as chances de prevenção se
reduzem drasticamente", disse Renata.
Segundo as psiquiatras da Unicamp, após o atendimento de
emergência, o tratamento ambulatorial por seis meses é essencial para
seguimento sorológico e psicológico destas vítimas e possibilita a
identificação e intervenção precoce no que for necessário.
Cerca de um terço da amostra, particularmente as
adolescentes, não desenvolveu sintomas psíquicos relacionados com o trauma. As
adolescentes, quando comparadas com as mulheres adultas, foram mais agredidas
por pessoas conhecidas e com uso de ameaça verbal.
Mulheres que aderiram ao tratamento ambulatorial dividiram
com mais frequência sobre a agressão, principalmente com a família, em especial
os pais, marido ou amigos e se sentiram apoiadas, além de terem acesso ao
acompanhamento multiprofissional oferecido ambulatorialmente.
"Em famílias cuja mãe ou irmãs também foram vítimas de
violência sexual, os sintomas pioram. Ocorre uma segunda vitimização dentro do
ambiente familiar. Já tivemos que tratar de famílias inteiras, inclusive
maridos ou parceiros que se angustiam e não sabem como lidar com a situação.
Entretanto, quanto maior o apoio do grupo social, melhor a evolução",
revelou Cláudia.
Segundo as psiquiatras da Unicamp, os serviços públicos de
saúde devem estar preparados para atender as mulheres vítimas de violência
sexual. Cerca de 74% das mulheres entrevistadas relataram que nunca foram
perguntadas se sofreram violência na vida. Mesmo o Caism sendo um serviço de
referência na região, um terço das mulheres não volta após o primeiro
atendimento, de acordo com os dados da pesquisa.
"As mulheres vítimas de violência sexual estão
envergonhadas e fragilizadas. Perder o tabu de perguntar e ouvir com respeito,
sem julgamento moral, o que essas mulheres querem contar pode fazer toda a
diferença no tratamento. Os dados da pesquisa são a ponta do iceberg de um
problema de saúde pública", disse Cláudia.
Publicações
Artigos - Cláudia de Oliveira Facuri, Arlete Maria dos
Santos Fernandes, Karina Diniz Oliveira, Tiago dos Santos Andrade, Renata Cruz
Soares de Azevedo. Violência Sexual: Estudo Descritivo sobre as Vítimas e o
Atendimento em Serviço Universitário de Referência no Estado de São Paulo,
Brasil.
Cadernos de Saúde Pública, maio, 2013. Cláudia de Oliveira
Facuri, Arlete Maria dos Santos Fernandes, Renata Cruz Soares de Azevedo. Psychiatric evaluation of women
victims of sexual violence assisted at a referral university centre in São
Paulo, Brazil. Submeted to International Jornal of Gynecology and
Obstetrics.
Cláudia de Oliveira Facuri, Arlete Maria dos Santos
Fernandes, Renata Cruz Soares de Azevedo. Sexual violence: a comparison between adolescents and adults assisted at
a Brazilian university center. Submited to Journal of Interpersonal
Violence.
Dissertação - Características sociodemográficas e sintomas
psíquicos de mulheres vítimas de violência sexual. Autora: Cláudia de Oliveira
Facuri. Orientadora: Renata Cruz Soares de Azevedo. Unidade: Faculdade de
Ciências Médicas (FCM)
Fonte: Jornal da Unicamp
Nenhum comentário:
Postar um comentário