terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

"Se a Igreja ordenasse mulheres, não haveria a crise dos abusos sexuais"


"A Igreja queria evitar a crise dos abusos sexuais e garantir a masculinidade de seus sacerdotes? Ela deveria ter tentado deixar as mulheres fazer esse trabalho." A opinião é de Eugene Cullen Kennedy, professor emérito de psicologia da Loyola University, de Chicago.

Eugene Cullen Kennedy é autor do livro The Unhealed Wound: The Church and Human Sexuality.
 Alguns anos atrás, eu perguntei em uma coluna: "Se a igreja ordenasse mulheres, haveria menos abortos?". Eu sugeri que reconhecer as mulheres como totalmente iguais aos homens teria evitado séculos de repressão, injustiça e dor infligida às mulheres e teria limpado o ar da suspeita e da ansiedade tensas com que muitos homens, incluindo líderes da igreja, consideraram as mulheres ao longo dos séculos.
 No último século, as mulheres buscaram direitos iguais para si próprias como seres humanos, dos homens que haviam crescido acreditando que elas constituíam um segundo sexo e inferior, cujo principal papel era, de inúmeras formas e muito escandalosas para serem ditas, cuidar deles. Se a Igreja tivesse ordenado mulheres, teria automaticamente mudado a história, tornando-as iguais em todos os aspectos, e teria quebrado as correntes emocionais que as prendiam, sem voz, na masmorra do tempo. Os homens teriam que se relacionar com elas em pé de igualdade, e grande parte do desejo de independência que é simbolizado na luta contra o aborto teria sido menor.
 Isso está começando a soar tão improvável quanto "Avatar", mas se afasta da cascata de argumentos inconvincentes jogados sobre as mulheres (por exemplo, "as mulheres não se parecem com os homens, por isso elas não podem representar Jesus") pelos suspeitos comuns da equipe de estrelas da teologia curial. Imagine, em vez disso, se a Igreja tivesse afirmado a igualdade humana, acolhendo as mulheres ao sacerdócio. Quais seriam os resultados?
 Essa ação teria matado a cultura clerical: como uma espécie nociva dizimada por um meteoro antes que pudesse evoluir em uma monstruosidade, a cultura clerical nunca teria chegado a existir. As mulheres não a tolerariam. Para crescer, ela precisava de um ambiente totalmente masculino, uma placa de ágar tão lisa quanto um canal de navegação em que as mulheres fossem proibidas de entrar.
 A algumas mulheres foram concedidos direitos de visita à cultura clerical – as mães dos padres que também eram necessárias para o seu florescimento. Essas mulheres tiveram uma enorme influência sobre o Joãozinho, para que ele fosse e permanecesse no seminário, e ficavam felizes em mimá-lo em suas férias e, posteriormente, nos dias de folga. Elas foram, digamos, facilitadoras, que ficavam contentes por verem seus filhos padres participando do clube clerical exclusivo. Eles poderiam ser meninos para sempre.
As mães dos sacerdotes não podem ser acusadas de terem aceitado o lugar de honra, logo ao lado da estátua da Mãe de Deus, onde a cultura clerical as colocou. Sua reverenciada presença – simbolizada por suas mãos atadas à morte com o mesmo pano de linho que ata as mãos de seus filhos na ordenação – significava que outras mulheres não eram bem-vindas, pelo menos não tão de perto, outro pré-requisito para uma florescente cultura clerical .
 Na cultura clerical clássica, as mulheres eram servas dos senhores, que podiam entrar pela entrada dos servos e eram regularmente lembradas pelos homens, do Papa para baixo, de que eram inferiores por natureza, e, como escravas cruelmente contadas como meias pessoas, esperava-se que soubessem qual era o seu lugar e atendessem às demandas dos homens sem atender a qualquer uma das suas próprias.
 Os sacerdotes gostavam de fazer piadas de que não era possível ter mulheres sacerdotisas porque elas não conseguiriam manter o segredo do confessionário, e o Papa João Paulo II tornou-se tão habilidoso nessa questão que instruiu o então cardeal Ratzinger a preparar uma proibição sob a forma de uma declaração  infalível. Não surpreendentemente, liderados por mulheres sensatas, os católicos deram pouca atenção a isso.
 Será que o abuso sexual teria ocorrido se houvesse mulheres adultas no sacerdócio, que se levantassem e confrontassem os sacerdotes problemáticos que exploraram as crianças sob seus cuidados? De fato, será que a cultura clerical, com o seu ambiente de vestiário e cheiro de fumaça de charutos, rum e whisky Bushmill, sobreviveria ao olhar lúcido de mulheres que fariam com que os clérigos guardassem seus brinquedos e crescessem?
 A cultura clerical foi o terreno fértil essencial da crise dos abusos sexuais. Essa crise também se escondeu nas dobras desse entorno social único. Ela conferiu respeito, estima e o benefício da dúvida àqueles padres que não poderiam conquistar isso por conta própria e que realizaram ataques eróticos furtivos sobre os inocentes em sua estrutura labiríntica. Essa cultura permitiu que o doentio se passasse por saudável e tivesse vidas secretas, cuja forma corrupta eles mesmos não compreendiam.
 Mulheres sacerdotisas não teriam permitido que esse trágico banquete de crianças continuasse sem tomar medidas para acabar com ele. Mulheres saudáveis não suportam homens doentes, e essa crise teria sido evitada se o sacerdócio tivesse mulheres saudáveis suficientes para fazer com que os homens doentes ou crescessem ou fossem embora.
 Assim, a Igreja seria inteligente para adaptar o velho slogan publicitário: "Você quer que ele seja mais do que um homem? Tente ser mais do que uma mulher". A Igreja queria evitar a crise dos abusos sexuais e garantir a masculinidade de seus sacerdotes? Ela deveria ter tentado deixar as mulheres fazer esse trabalho.
Fonte: ihu

Nenhum comentário: