terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Prostituição infantil é um desafio

Quase como numa brincadeira, crianças e adolescentes remam em suas pequenas canoas, em direção aos grandes barcos que estão de passagem pela Ilha de Marajó. Vão principalmente buscar os cargueiros, que trazem homens viajando há dias, ou até meses, pelos rios do Pará. Estimuladas por irmãos mais velhos ou pelos próprios pais, vão em busca de trocados ou óleo combustível, prontas para oferecer camarão e açaí, e até a si próprias, se assim os tripulantes quiserem. Não é preciso falar nada. A chegada das crianças sozinhas já é a senha que leva a altíssimos níveis de prostituição infantil no arquipélago. A realidade não está nas estatísticas, mas faz parte do relato frequente dos moradores, e foi apontada como preocupante pelo diagnóstico local feito pelo Instituto Peabiru e recém lançado no projeto Viva Marajó.

Algumas dessas famílias vivem abaixo da linha da pobreza. Os moradores fogem do assunto, mas assumem que convivem com o problema, como contou o líder comunitário Marco Baratinha, morador de Curralinho:
- As crianças pequenas nem entendem. Tem pai e irmão que coloca menininhas de calcinha para andar nos barcos. Embarcados há dias, há homens que aceitam. Alguns negam crianças, mas aceitam adolescentes. E, em alguns casos, o problema começa dentro de casa.
Marco se refere a casos, ainda comuns, de estupros de moças por seus próprios pais e irmãos. Alguns homens consideram que, após a menstruação, a menina se torna mulher. E há pais que iniciam a vida sexual das próprias filhas. Segundo moradores, esse é um dos motivos que ainda mantém de pé a história do boto rosa que se transforma em homem e engravida as mulheres, como reza a antiga lenda amazônica. Há botos que são, na verdade, os próprios pais, ou homens que abusaram das meninas ainda muito jovens.
Mas o problema também está ganhando visibilidade, e espaço nas discussões locais, segundo o coordenador do projeto Viva Marajó, Carlos Augusto Ramos:
- Assim como os casos de malária em Curralinho, que estão subnotificados, a questão da prostituição ainda não é encarada pelo poder público. É uma subinformação. Faltam dados nas delegacias. As meninas não denunciam. Mas é um fato que permeia o dia a dia deles. Além disso, estamos discutindo ainda formas de combate ao tráfico de pessoas.
No mês passado, houve uma audiência pública em Breves para discutir a pedofilia e o tráfico de pessoas. Os moradores buscam formas de identificar os casos e facilitar as denúncias. Há jovens que são levados em balsas para outros países, como o Suriname e a Guiana.
Segundo o coordenador de Projetos da Childhood Brasil, Itamar Gonçalves, está na pauta da instituição um projeto de combate à prostituição infantil em transportes fluviais. A ONG já possui atuação importante para reduzir o problema em rodovias brasileiras.
- A necessidade financeira é o principal motivo em 67% dos casos. Também é comum que a família seja agenciadora, e em terceiro lugar a prostituição aparece como uma forma fácil de entrar no mercado. O Norte brasileiro concentra 40% dos casos de prostituição infantil. E falta política pública. Não temos projetos lá, e queremos ajudar organizações locais a estruturarem seus projetos.
Sem muitas altenativas de renda e dificuldades de acesso à educação, há ainda moças que, após crescidas, se lançam à prostituição por conta própria, em busca de uma vida melhor em Belém, ou em Macapá. Muitas começam a trabalhar como empregadas domésticas e sofrem abusos dos patrões. Acabam se tornando prostitutas, como contou C., moradora de Curralinho, que não quis se identificar:
- Tenho uma parte da família, de sete irmãs que se prostituíram. Lembro da primeira que foi, éramos adolescentes ainda e morávamos na mesma casa. Ela ia trabalhar de doméstica em Belém, mas já sabia o que a esperaria. Achava que o jeito era aceitar. Os pais fingem que não sabem, mas elas mandam dinheiro todo mês. A vida da mulher por aqui é difícil, tem gente que não vê opção e vai. Eu fui a Belém e trabalhei de doméstica, mas não quis isso, e resolvi voltar. Agora, vou tentar estudar.
* A repórter viajou a convite do Fundo Vale e Instituto Peabiru

Fonte: O Globo

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